Super Interessante (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1
Fiz um teste de ances-
tralidade em dezembro de


  1. Quando entrei na
    ferramenta de busca de
    parentes, encontrei uma
    mulher que compartilha
    1,28% dos SNPs comigo.
    É muito: trata-se de uma
    provável prima de se-
    gundo grau. Para efeito
    de comparação, o maior
    “match” do Golden Sta-
    te Killer compartilhava
    apenas 0,81%. Definiti-
    vamente não seria difícil
    me encontrar.
    Os detetives genealó-
    gicos normalmente pre-
    cisam de dois matches
    representativos para che-
    gar ao suspeito – método
    chamado “triangulação de
    DNA”. Quando o investi-
    gador encontra bons re-
    gistros familiares, a busca
    pelo criminoso pode ser
    questão de poucas horas.
    Foi o que aconteceu
    no caso de William Tal-
    bott II*, que matou um
    casal em 1987. Os jovens


faziam uma viagem de
van do Canadá aos EUA
quando os corpos foram
encontrados na estrada.
No veículo, os policiais
encontraram luvas de
plástico usadas pelo as-
sassino, o que permitiu
a extração do DNA. Mas
não havia uma amostra
do DNA de Talbott nos
registros policiais.
A polícia passou 30
anos investigando o caso,
e nada de aparecer algum
DNA que batesse. Em
2018, tudo mudou de fi-
gura. Entraram em conta-
to com Cece Moore, uma
referência em genealogia
genética. E ela identificou
o assassino em duas ho-
ras. De um sábado.
O processo foi se-
melhante ao do Golden
State Killer. Primeiro,
a amostra foi subme-
tida à análise de SNPs.
Depois, subiram os da-
dos no GEDmatch, e aí
surgiram duas pessoas
com segmentos de DNA
interessantes: uma com
3,12% de SNPs em co-
mum e outra com 4,06%.

Moore reconstruiu a ár-
vore genealógica de cada
um separadamente, fa-
zendo buscas nos bancos
de dados de cartórios e
analisando certidões de
nascimento, casamento
e passaportes para ver
quem era pai de quem.
E olha só: as duas “tes-
temunhas genéticas” em
questão eram parentes do
assassino, mas não entre
si. O objetivo, então, era
encontrar algum casa-
mento que unisse as duas
famílias. Um dos descen-
dentes dessa união seria
o criminoso. E só havia
um: William Talbott II.

DNA de quem?
Vai ficar cada vez mais
fácil encontrar peda-
ços de você na internet.
Uma pesquisa de 2018(2)
estima que, com os da-
dos genéticos de ape-
nas 2% da população, é
possível descobrir pri-
mos de segundo grau
em 99% dos casos (pelo
simples fato de que cada
ser humano tem muitos
parentes). Até 2021, 38
milhões de americanos
já haviam feito testes
de ancestralidade (3).
Não há perspectiva pa-
ra a chegada da genealogia

forense no Brasil. Em
parte porque os testes
de ancestralidade ainda
estão começando a se
popularizar por aqui.
Ricardo di Lazzaro Filho,
CEO da Genera, uma das
empresas que oferecem o
serviço, afirma que cerca
de 100 mil brasileiros já
fizeram o teste – um nú-
mero baixo se compara-
do ao dos EUA, mas que
tende a crescer: a própria
Genera viu a procura
aumentar 15 vezes em
2020 em comparação ao
ano anterior.
A questão, de qual-
quer forma, é polêmica.
Em 2019, a GEDmatch
foi comprada por uma
companhia de genética
forense, a Verogen. E isso
tira um pouco do caráter
“comunitário” da inicia-
tiva: ao fazer seu upload
lá, afinal, você pode até
ajudar na solução de cri-
mes, mas também ajuda
(mais) uma companhia
a fazer dinheiro a partir
dos seus dados – nesse
caso, o mais íntimo des-
ses dados, seu DNA.
Por outro lado, esse tipo
de questão pode se tornar
irrelevante nos próximos
anos. Talvez um dia seu
DNA funcione como sua
impressão digital – o Es-
tado mantenha o regis-
tro dele em seus bancos
de dados e pronto. O que
importa é outro ponto: a
tecnologia já existe, e já
ajuda na solução de cri-
mes. Cabe à sociedade
decidir qual é a melhor
forma de utilizá-la. S

O match de 4,06% pertencia
a um adolescente que revelou
apenas suas iniciais e email na
plataforma. Após pesquisar o
email no Google, a genealogista
encontrou uma mulher cujo neto
tinha as mesmas iniciais.

O marido dessa mulher era filho
de um casamento entre Ada Marie
e Raymond Talbott. Ada já havia
tido um filho antes do casamento,
chamado William. Ele foi criado
por Talbott e recebeu o mesmo
sobrenome.

William Talbott I se casou com
Patricia Peters. O filho do casal
é William Talbott II, o assassino.
A identidade foi confirmada por
meio do DNA deixado em um copo
de café usado por Talbott II.

Nos EUA,


38 mi já


fizErAm


tEstE dE


ANcEstrA-


lidAdE.


1


2


3


O DNA dos
criminosos
não constava
na base de
dados do
governo –
mas parte
dele estava
disponível no
GEDmatch.

*deve ser marcada. Os advogados não questionaram as evidências genéticas ou método usado na investigação genealógica.Talbott II foi condenado em 2019, mas alegou viés por parte do júri. Em dezembro de 2021, a sentença foi revista e uma nova audiência
fevereiro 2022 super 51

SI_436_GenealogiaForense_NOVO.indd 51 2/10/22 23:57

Free download pdf