uma família disfuncional.
Os X-Men funcionavam
como uma analogia à se-
gregação racial dos EUA.
E Peter Parker era um
quebrado com o aluguel
atrasado. A identificação
dos leitores foi automática
- e as vendas explodiram.
A “revolução Marvel”
passou a ser destaque em
jornais, revistas e progra-
mas de rádio. Lee era o
porta-voz da editora – ou-
tros artistas quase nunca
eram mencionados. Ele se
firmou como o carismáti-
co rosto da Marvel. Dava
palestras em universida-
des e recebia na redação
celebridades que eram fãs
dos gibis. No escritório,
era visto jogando golfe
com copos no lugar dos
buracos, e não raro subia
nas mesas para imitar os
movimentos que ele que-
ria que os heróis fizessem
nas páginas.
Seu maior trunfo foi a
maneira de se comunicar
com os leitores. Ele idea-
lizou a criação de um fã-
-clube oficial da Marvel e
batia ponto na seção de
cartas das revistas. Ali,
agradecia aos elogios, ti-
rava dúvidas e narrava o
dia a dia da redação – tudo
isso em textos recheados
de piadas, trocadilhos
e que terminavam com
“Excelsior!” (“sempre em
frente”, em latim), seu le-
ma de vida. O que empre-
sas fazem hoje nas redes
sociais, tentando se apro-
ximar do público, Stan já
tirava de letra.
... E o marasmo
Em 1968, Goodman se
aposentou e Stan virou
presidente da Marvel. Foi
também o ano em que seu
pai, Jack, morreu. Os mo-
tivos nunca foram escla-
recidos (uma hipótese é a
de que ele teria cometido
suicídio devido a um er-
ro médico na dosagem de
antidepressivos). Stan se
sentiu culpado pela tra-
gédia e se afastou da fa-
mília – incluindo de seu
irmão, Larry, que escreveu
e desenhou histórias pa-
ra a Marvel até 2018. As
conversas com ele eram,
quase sempre, restritas a
motivos profissionais.
Nos anos 1970, Stan
se afastou do desenvolvi-
mento das histórias. Sem
Kirby, que trocou a Marvel
pela DC, Lee investiu em
publicações de gosto du-
vidoso, como uma revista
de celebridades comanda-
da pela esposa, Joan. Ne-
nhuma das empreitadas
fora do mundo dos super-
heróis vingou.
Em 1980, Stan e a fa-
mília se mudaram para
Los Angeles. O plano era
desenvolver filmes e séries
em Hollywood por meio
da divisão Marvel Pro-
ductions. Mas, mesmo
que Stan fosse ovacionado
por fãs de HQs, ele ainda
era um desconhecido em
meio aos figurões do show
business. Encontros com
artistas e chefões de es-
túdio raramente rendiam,
e suas tentativas de criar
live actions da Marvel para
o cinema não emplacavam.
Em 1994, Stan assinou
um contrato vitalício com
a Marvel. Aos 72 anos (e
histórias e as entregava
para Kirby, Ditko e outros
artistas, que desenvol-
viam a trama a partir daí;
Lee, por fim, adicionava
os balões de diálogo.
Só que havia uma
falha aí: o método es-
condia a dupla função
dos desenhistas, que, ao
desenvolver as histórias,
também faziam as ve-
zes de roteiristas. Para
completar, a editora não
tinha o hábito de regis-
trar reuniões, esboços e
outros bastidores das re-
vistas. Prevaleceu, então, a
narrativa de que Lee era o
principal cérebro por trás
das criações. A falta de
crédito apropriado levou
Ditko a deixar a Marvel
em 1965 e a nunca mais
trabalhar com Stan.
O fenômeno...
As histórias da Marvel
chacoalharam a cultura
pop. Os heróis, antes tra-
tados como figuras divi-
nas, eram agora mais hu-
manos – e falhos. O Quar-
teto Fantástico retratava
56 super fevereiro 2022
lee apareceu
em 60 filmes
e séries da
marvel.
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