Super Interessante (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1
Texto Fábio Marton

Marx Mouse.

realidades paralelas


e se...


Em novembro de 1917, aconteceu algo
que nem Karl Marx imaginaria: o país
mais extenso do mundo (e o terceiro
maior em população) passaria a ser ad-
ministrado por seguidores radicais seus.
Literalmente não imaginaria: a previ-
são de Marx era a de que as revoluções
socialistas começariam justamente nos
lugares onde o capitalismo era mais
avançado – e que seria liderada por
operários, não por intelectuais de um
partido político, caso de Lenin e Trotski
liderando o Partido Social Democrático
Trabalhista Russo (Bolchevique).
Sem a Revolução Russa, nada seria
igual, pois não teria havido a Guerra Fria.
Sem ela, não haveria internet, porque
ela é fruto de um esforço dos militares
americanos de criar uma rede capaz de
resistir a uma guerra nuclear: a Arpanet.
E a exploração espacial talvez estivesse
engatinhando ainda, já que ela começou
de carona em mísseis intercontinentais.
Também não haveria Chernobyl, a
Grande Fome na Ucrânia em 1932, os
20 milhões de mortos no regime de
Stalin. Por aqui, não teria Estado Novo
ou ditadura militar, nascidos do medo
de uma revolução comunista.
Enfim, a Revolução Russa é um
evento tão definidor da história que é
fácil estender indefinidamente a parte
do “não haveria”. Mas o que haveria?
Revolução haveria. Porque o que os
revolucionários bolcheviques liderados
por Lenin fizeram foi uma revolução
dentro de uma revolução.
Em fevereiro de 1917, uma revolta
maciça de civis e militares, insatisfeitos
com as derrotas da Rússia na Primeira

E sE a REvolução Russa


não tivEssE acontEcido?


Guerra e a penúria causada por ela, na
forma de racionamento de pão, tomou
as ruas da capital Petrogrado (hoje São
Petersburgo). O czar se viu forçado a
abdicar, e os revolucionários declararam
a Rússia uma república.
O governo foi formado por uma
aliança entre socialistas moderados
(Lenin se recusou a participar, pois
de moderado não tinha nada). Assu-
miu como líder provisório o advogado
Alexander Kerensky, do Partido Revo-
lucionário Socialista – apesar do nome,
uma agremiação não-marxista, que
pretendia criar uma democracia liberal.
Kerensky, porém, não atendeu à
maior demanda de todas, que era acabar
com a guerra. Mais derrotas e mais pe-
núrias se acumularam. Seu governo se
revelaria impopular.
Em julho de 1917, uma revolta ar-
mada explodiu em Petrogrado. O par-
tido de Lenin foi acusado de causar a
violência – na prática, tinha sido uma
explosão espontânea de revolta contra
a participação desastrosa da Rússia na
Guerra. Como resultado, vários líderes
do partido foram presos, e Lenin esca-
pou para a Finlândia.
Nesse ponto, os bolcheviques pare-
ciam destinados a entrar para a história
como revolucionários frustrados, co-
mo na Comuna de Paris de 1871. Até
a estupidez de seus adversários mudar
sua sorte.
Em agosto de 1917, o general Lavr
Kornilov, supremo comandante do
Exército Russo, moveu tropas contra
Petrogrado. Ainda se discute se ele
queria mesmo dar um golpe ou achava

que os bolcheviques haviam dominado
a cidade. De qualquer forma, o resultado
foi o seguinte: Kerensky decidiu armar
a população e libertar os bolcheviques
para ajudar na resistência. E o resto é
história. Em 7 de novembro, os bolchevi-
ques tomariam a cidade e o governo do
fraco e impopular Kerensky teria um fim.
Kerensky provavelmente não tinha
futuro: se o plano de Kornilov não era
dar um golpe, outro militar o faria. Mes-
mo se, por algum milagre, o governo
Kerensky sobrevivesse, dificilmente se-
riam os moderados a ganhar as eleições
prometidas pelo governo provisório.
E aqui teríamos uma grande inversão
na história: Kornilov era um extremista
de direita. Durante a Guerra Civil Russa
que se seguiu à revolução bolchevique,
na qual suas forças enfrentaram o Exér-
cito Vermelho, foi autor de frases como
“quanto maior o terror, maior a vitória”
e que venceria mesmo se “tivesse que
queimar metade do país e derramar o
sangue de três quartos dos russos”.
O grupo de Kornilov também era
altamente antissemita. Judeus russos
fugiam para a Alemanha nessa época.
Até 150 mil deles foram mortos pelo

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