Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

Anatòl Spiridionivitch, que abandonara o curso de medicina ao ser reprovado,
avançou, mantendo levantadas sobre o estômago já obeso as mãos com luvas de
borracha vermelha. Era um sujeito estranho, Tòlja, que talvez para mascarar a
timidez se apresentava com uma careta cômica e infantil e uma série de
gracejos.
— A mão... Ei, a mãozinha... a mão é um órgão preênsil... ah, ah... muito
útil... por isso temos duas... e os dedos, geralmente, são dez... cada dedo se
compõe de três segmentos ósseos chamados falanges... pelo menos, nos nossos
países são chamados assim... falange, falanginha, falangeta...
— Pare! Você está nos aborrecendo! Não venha nos dar uma aula! — a
assembleia protestava. (No fundo, ninguém achava simpático esse Tòlja.) —
Vamos aos fatos! Ande! Comecemos!
Primeiro trouxeram Virghilij. Quando compreendeu que iam lhe amputar só
a primeira falange do anular, encheu-se de coragem e suportou a dor com uma
altivez digna de si. Outros, ao contrário, gritaram; precisava-se de muita gente
para segurá-los; felizmente, a certa altura a maioria desmaiava. Dependendo
da pessoa, as amputações eram de dedos diferentes, mas em geral não mais que
duas falanges para os dirigentes mais importantes (as outras iriam ser cortadas
em seguida, uma de cada vez; convém saber que essas cerimônias iriam se
repetir muitas vezes nos anos seguintes). Eles perdiam mais sangue do que o
previsto; as moças enxugavam com cuidado.
Os dedos amputados, enfileirados sobre a toalha, pareciam pequenos peixes
trucidados pela isca e atirados na praia. Ressecavam e enegreciam depressa e,
depois de uma rápida discussão sobre a oportunidade de conservá-los num
estojo, foram jogados no lixo.
O método da podadura dos chefes foi um sucesso. Com um dano físico
relativamente modesto obtinham-se resultados morais de relevo. A ascendência
dos chefes crescia com as mutilações periódicas. Quando a mão dos dedos
decepados se levantava nas barricadas, os manifestantes faziam bloco, e os
ulanos a cavalo não conseguiam dispersar a multidão aos berros que os
esmagava. Os cantos, os barulhos surdos, os relinchos, os gritos “Volja i
Raviopravie!”, “Morte ao czar!”, “A cabeça cairá no dia seguinte, vitoriosa e
honrada!” corriam pelo ar gelado, sobrevoavam a fortaleza de Pedro e Paulo,
eram ouvidos até nas celas mais profundas onde os companheiros presos batiam
em cadência as correntes e estendiam seus cotos pelas grades.


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Os jovens dirigentes, toda vez que esticavam a mão para assinar um
documento ou sublinhar com um gesto seco uma frase num relatório, viam
diante de seus olhos os dedos decepados, e isso tinha uma eficácia mnemônica

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