O INCÊNDIO DA CASA ABOMINÁVEL
DAQUI A POUCAS HOR AS o corretor de seguros Skiller virá me
pedir os resultados do computador, e ainda não inseri os dados nos circuitos
eletrônicos que deverão triturar numa poeira de bits os segredos da viúva
Roessler e de sua pensão pouco recomendável. Ali onde se erguia a casa —
sobre uma daquelas dunas dos terrenos baldios entre os entroncamentos
ferroviários e os depósitos de ferro-velho que a periferia da nossa cidade deixa
atrás de si como montinhos de lixo que escapam da vassoura — agora só restam
alguns escombros fuliginosos. Pode ter sido, originalmente, um charmoso
palacete, ou não ter tido outro aspecto além do de casebre espectral: os
relatórios da companhia de seguros não dizem; agora está queimada, do teto
inclinado à adega, e nos cadáveres incinerados de seus quatro moradores não se
encontrou nenhum vestígio que sirva para reconstituir os precedentes dessa
carnificina perpetrada na solidão.
Mais que os corpos, há um caderno que fala, encontrado entre os escombros,
inteiramente queimado, exceto a capa, protegida por um plástico. Na folha de
rosto, está escrito relação sobre os atos abomináveis cometidos nesta casa e, no
verso, um índice analítico com doze verbetes em ordem alfabética: Amarrar e
amordaçar, Ameaçar com revólver, Chantagear, Difamar, Drogar, Esfaquear,
Espionar, Estrangular, Induzir ao suicídio, Prostituir, Seduzir, Violentar.
Não se sabe qual morador da casa redigiu esse sinistro resumo, nem que
objetivos se propunha: de denúncia, confissão, autodefesa, contemplação
fascinada do mal? Tudo o que nos resta é esse índice que não fornece os nomes
dos responsáveis nem os das vítimas das doze ações — dolosas ou apenas
culposas — e nem sequer revela a ordem em que foram cometidas, o que já
ajudaria a reconstituir uma história: os verbetes em ordem alfabética remetem
a números de páginas riscados por um traço preto. Para completar a lista falta
um verbo, “Incendiar”, sem dúvida o ato final dessa obscura peripécia:
cometido por quem? Para esconder, para destruir?
Mesmo admitindo que nenhuma das doze ações tenha sido realizada por só
uma pessoa contra só uma outra, reconstituir os acontecimentos é tarefa árdua:
se os personagens em questão são quatro, tomados dois a dois podem configurar
doze relações diferentes para cada um dos doze tipos de relações listadas. As
soluções possíveis são, portanto, doze à décima segunda potência, isto é, tem de
se escolher entre um número de soluções que se eleva a oito trilhões, oitocentos
e setenta e quatro bilhões, duzentos e noventa e seis milhões, seiscentos e
setenta e dois mil, duzentos e cinquenta e seis. Não espanta que a nossa polícia,
demasiado ocupada, tenha preferido arquivar o inquérito, com a boa razão de