regulamento é igual para todos, meus gestos interrogativos são inúteis, eu já
sabia disso antes. Foi-se o tempo em que tudo parecia fácil, o tempo em que se
podia acreditar que as energias humanas estavam a nosso serviço de forma
ilimitada, assim como as energias naturais: quando os postos de gasolina
desabrochavam em nosso caminho, convidativos, um atrás do outro, em fila,
com o homem de uniforme verde ou azul ou listrado, com a esponja pingando
pronta para purificar o vidro contaminado pelo massacre dos enxames de
mosquitos.
Ou, melhor dizendo: entre o fim dos tempos em que em certas profissões se
trabalhava sem horário e o fim dos tempos em que se tinha a ilusão de que
certos produtos de consumo nunca se consumiriam, há, bem no meio, uma era
histórica inteira cuja duração varia de acordo com os países e as experiências
individuais. Direi então que estou vivendo neste exato momento,
simultaneamente, a ascensão, o apogeu, o declínio das sociedades ditas
opulentas, assim como uma sonda rotativa passa através de milênios, de um
instante a outro, ao perfurar as rochas sedimentares do Plioceno, do Cretáceo,
do Triássico.
Vou fazendo um balanço de minha situação no espaço e no tempo, para
confirmar os dados que me comunicam o marcador de quilometragem, zerado
há pouco, o indicador do combustível, parado no zero, o relógio com o ponteiro
mais curto ainda alto no primeiro quarto do mostrador. Nas horas meridianas,
quando a Trégua da Água aproxima o tigre e o cervo sedentos do mesmo
espelho de água barrenta, meu carro tenta em vão abeberar-se, e a Trégua da
Nafta o expulsa de bomba em bomba. Nas horas meridianas do Cretáceo, os
seres vivos boiavam na superfície do mar, enxames de algas minúsculas e
conchas fininhas de plâncton, esponjas macias e corais cortantes, aquecendo-se
ao calor solar, o qual continuará agindo através deles no longo périplo que a vida
enfrenta mais além da morte, quando, reduzidos a uma leve chuva de detritos
vegetais e animais, eles se depositam nos baixos fundos e se grudam no lodo, e
com a passagem dos cataclismos são mastigados pelos maxilares das rochas
calcárias, digeridos nas dobras anticlinais e sinclinais, liquefeitos em óleos
espessos que remontam as obscuras porosidades subterrâneas, e ei-los jorrando
no meio do deserto e se inflamando, trazendo à superfície da terra uma
labareda do meio-dia primordial.
Eis que no meio do deserto do meio-dia urbano avistei um posto de gasolina
aberto: paira em torno dele um enxame de automóveis. Não há empregados; é
um desses postos que funcionam no sistema self-service. Os motoristas se
movimentam, desembainhando os tubos cromados das bombas, param no meio
de um gesto para ler as instruções, mãos meio inseguras apertam botões,
serpentes de borracha arqueiam suas espirais retráteis. Minhas mãos manobram
em torno de uma bomba, minhas mãos crescidas numa época de transição,
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1