Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

ENTREVISTADOR — É um dos momentos culminantes na vida de um clã
de caçadores este que o senhor Neander nos está fazendo reviver neste
momento: o banquete ritual depois de uma feliz empreitada de caça...
NEANDER — O meu cunhado morde outro osso, a minha mulher morde
outro osso...
ENTREVISTADOR — Como vocês puderam ouvir do senhor Neander, de
viva voz, as mulheres eram as últimas a se servirem do banquete ritual, o que
constitui um reconhecimento da inferioridade social em que a mulher era
mantida...
NEANDER — A sua! Primeiro eu levo o urso para a minha mulher, minha
mulher faz o fogo debaixo do urso, depois eu vou colher o manjericão, depois
volto com o manjericão e digo: mas vem cá, onde é que está a coxa do urso? E a
minha mulher diz: fui eu que comi, ora!, para ver se ainda estava crua, ora!
ENTREVISTADOR — Já na comunidade dos caçadores e colhedores — é
isso que resulta do testemunho do senhor Neander — vigorava uma nítida
divisão do trabalho entre homem e mulher...
NEANDER — Depois eu vou colher a manjerona e digo: mas vem cá, onde
é que está a outra coxa do urso? E a minha mulher diz: fui eu que comi, ora!,
para ver se não estava queimada, ora! E eu lhe digo: mas vem cá, o orégano,
você sabe quem é que vai colher agora?, você é que vai, eu lhe digo, é você que
vai, para o orégano, sabe.
ENTREVISTADOR — Desse delicioso sainete familiar podemos tirar
muitos dados verdadeiros sobre a vida do homem de Neandertal: primeiro, o
conhecimento do fogo e o seu emprego para a cozinha; segundo, a colheita de
ervas aromáticas e o seu uso gastronômico; terceiro, o consumo de carne em
grandes porções arrancadas, o que supõe o emprego de verdadeiros
instrumentos próprios para cortar, isto é, um estágio avançado no trabalho com
o sílex. Mas ouçamos diretamente do entrevistado se ele tem algo a nos dizer
sobre esse ponto. Formularei a pergunta de modo a não influenciar sua resposta:
senhor Neander, com as pedras, sim, esses belos pedregulhos, essas rochonas,
como se encontram tantas aqui ao redor, o senhor nunca experimentou, não sei,
brincar com elas, bater um pouco uma na outra, para ver se são realmente tão
resistentes?
NEANDER — Mas o que é que você está falando sobre a pedra? Mas você
sabe o que é que se faz com a pedra? Dang! Dang! Eu, com a pedra: dang! Você
pega a pedra, entendeu? Põe em cima do pedregulho, pega aquela outra pedra,
bate em cima, seco, dang! Você sabe onde é que dá a pancada seca? é ali! é ali
que você dá: dang! a pancada seca! vai! ai! assim você esmaga o seu dedo!
Depois você chupa o dedo, depois dá uns pulos, depois pega de novo aquela outra
pedra, põe de novo a pedra na pedra grande, dang! Vê que ela quebrou ao meio,
uma lasca grossa e uma lasca fina, uma encurvada para cá, a outra encurvada

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