NEANDER — Monótono é você, monótono! Você sabe fazer os entalhes
nas pedras, você, os entalhes todos iguais, sabe fazê-los monótonos, os entalhes?
Não, e então está falando de quê? Eu, sim, é que sei fazer! E desde que eu
comecei, desde que eu vi que tenho o polegar, está vendo o polegar? O polegar
que eu meto aqui e os outros dedos eu meto ali e no meio tem uma pedra, na
minha mão, apertada com tanta força que não escapa, desde que eu vi que
segurava a pedra na mão e dava pancadas nela, assim, ou assim, então o que eu
posso fazer com as pedras posso fazer com tudo, com os sons que saem da
minha boca, posso fazer uns sons assim, a a a, p p p, nh nh nh, e aí não paro mais
de fazer sons, começo a falar, a falar e não paro mais, começo a falar de falar,
começo a trabalhar as pedras que servem para trabalhar as pedras, e enquanto
isso me dá vontade de pensar, penso em todas as coisas que eu poderia pensar
quando penso, e me dá também vontade de fazer alguma coisa para fazer os
outros entenderem alguma coisa, por exemplo pintar umas faixas vermelhas no
rosto, para nada, só para fazer entender que eu pintei faixas vermelhas no rosto,
e minha mulher, fico com vontade de fazer para ela um colar de dentes de
javali, para nada, só para fazer entender que a minha mulher tem um colar de
dentes de javali, e a sua não, o que será que você acha que tem, você, que eu
não tinha? Não me faltava realmente nada, tudo o que foi feito depois eu já
fazia, tudo o que foi dito e pensado e significado já estava naquilo que eu dizia e
pensava e significava, toda a complicação da complicação já estava ali, basta
que eu pegue esta pedra com o polegar e o oco da mão e os outros quatro dedos
que se dobram em cima, e já tem tudo, eu tinha tudo o que depois se teve, tudo
o que depois se soube e se pôde, eu tinha não porque era meu mas porque havia
ali, porque já existia, porque estava lá, ao passo que depois se teve e se soube e
se pôde sempre um pouco menos, sempre um pouco menos do que o que podia
ser, do que aquilo que havia antes, que eu tinha antes, que eu era antes,
realmente, eu estava em tudo e por tudo, não era que nem você, e tudo estava
em tudo e por tudo, tudo aquilo que é preciso para estarmos em tudo e por tudo,
até mesmo tudo o que depois houve de estúpido já estava naquele deng! deng!
ding! ding!, portanto o que é que você vem dizer, o que é que você pensa que é, o
que é que você pensa que está fazendo aqui e ao contrário não está, se você está
aqui é só porque eu, sim, é que estava, e estavam o urso e as pedras e os colares
e as marteladas nos dedos e tudo o que é preciso para estar aqui, e que quando
está, está.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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