Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

MONTEZUMA


EU &MD ASH; MAJESTAD E... Santidade!... Imperador!... General!
Não sei como vos chamar, sou obrigado a recorrer a termos que só em parte
transmitem as atribuições de vosso cargo, apelativos que na minha língua de
hoje perderam muito de sua autoridade, soam como ecos de poderes
desaparecidos... Assim como desapareceu o vosso trono, no topo dos altiplanos
do México, o trono de onde reinastes sobre os astecas, como o mais augusto de
seus soberanos, e também o último, Montezuma... Mesmo chamar-vos pelo
nome para mim é difícil: Motecuhzoma, parece que assim soava realmente o
vosso nome, que nos nossos livros de europeus aparece diversamente
deformado: Moteczuma, Moctezuma... Um nome que, segundo certos autores,
significaria “homem triste”. Vós bem teríeis merecido este nome, vós que
vistes ruir um império próspero e ordenado como o dos astecas, invadido por
seres incompreensíveis, armados de instrumentos de morte nunca vistos. Deve
ter sido como se aqui nas nossas cidades baixassem de repente invasores
extraterrestres. Mas nós, esse momento, já o imaginamos de todas as maneiras
possíveis: pelo menos, assim acreditamos. E vós? Quando começastes a
compreender que era o fim de um mundo aquele que estáveis vivendo?
MONTEZUMA — O fim... O dia rola para o poente... O verão apodrece
num outono barrento. Assim cada dia... cada verão... Nada garante que voltarão
a cada vez. Por isso o homem deve cair nas boas graças dos deuses. Para que o
sol e as estrelas continuem a girar sobre os campos de milho... mais um dia...
mais um ano...
EU — Quereis dizer que o fim do mundo está sempre ali, suspenso, e que
dentre todos os acontecimentos extraordinários que vossa vida testemunhou o
mais extraordinário era que tudo continuasse, e não que tudo estivesse
desabando?
MONTEZUMA — Nem sempre os mesmos deuses reinam no céu, nem
sempre os mesmos impérios arrecadam os impostos nas cidades e nos campos.
Em toda a minha vida honrei dois deuses, um presente e um ausente: o Colibri
Azul Huitzilopochtli, que nos guiava na guerra, a nós, os astecas, e o deus
expulso, a Serpente Emplumada Quetzacoatl, exilado do outro lado do oceano,
nas terras desconhecidas do Ocidente. Um dia o deus ausente iria retornar ao
México e se vingaria dos outros deuses e dos povos fiéis a eles. Eu temia a
ameaça que pesava sobre meu império, a desordem a partir da qual teria início
a era da Serpente Emplumada, mas ao mesmo tempo o esperava, sentia em
mim a impaciência para que esse destino se cumprisse, mesmo sabendo que ele
traria consigo a ruína dos tempos, o massacre dos astecas, a minha morte...

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