Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

EU — Mas qual era o fundo de vossa incerteza, rei Montezuma? Quando
vistes que os espanhóis não desistiam de avançar, que enviar ao encontro deles
embaixadores com presentes suntuosos só servia para excitar sua avidez por
metais preciosos, que Cortés se aliava às tribos que suportavam mal as vossas
vexações e as sublevava contra vós, e massacrava as tribos que, por vós
instigadas, armavam-lhe emboscadas, então o acolhestes como hóspede, com
todos os seus soldados na capital, e deixastes que, de hóspede, se transformasse
rapidamente em chefe, aceitando que se proclamasse defensor do vosso trono
periclitante, e com essa desculpa vos fizesse prisioneiro... Não me digais que era
possível acreditar em Cortés...
MONTEZUMA — Os brancos não eram imortais, eu sabia; certamente
não eram os deuses que esperávamos. Mas tinham poderes que pareciam ir
além do humano: nossas flechas entortavam contra suas couraças; suas
zarabatanas de fogo — ou que outro instrumento do diabo fosse — lançavam
dardos sempre mortais. E no entanto, no entanto não se podia excluir uma
superioridade também de nossa parte, que talvez pudesse equilibrar a balança.
Quando os levei para visitar as maravilhas da nossa capital o espanto deles foi
tão grande! Naquele dia, o verdadeiro triunfo foi nosso, contra os rudes
conquistadores de além-mar. Um deles disse que nem mesmo lendo seus livros
de aventuras nunca tinham imaginado semelhante esplendor. Depois Cortés me
fez refém no palácio onde eu o havia hospedado; não contente em receber todos
os presentes que eu lhe dava, mandou escavar uma galeria subterrânea até a
sala do tesouro, e o pilhou; minha sorte era tão contorcida e espinhosa como um
cáctus. Mas essa soldadesca que montava guarda ao meu redor passava os dias
jogando dados e trapaceando, fazia barulhos repugnantes, brigava pelos objetos
de ouro que eu jogava como gorjeta. E eu continuava a ser o rei. Como dava
provas diariamente: era superior a eles, era eu o vencedor, e não eles.
EU — Ainda esperáveis mudar a sorte?
MONTEZUMA — Talvez estivesse em curso uma batalha entre os deuses
no céu. Estabelecera-se entre nós uma espécie de equilíbrio, como se a sorte
estivesse em suspenso. Sobre nossos lagos cercados de jardins reluziam as velas
brancas dos bergantins construídos por eles; das margens, seus arcabuzes
disparavam salvas. Havia dias em que uma inesperada felicidade se apoderava
de mim, e eu ria até as lágrimas. E dias em que apenas chorava, entre as risadas
de meus carcereiros. A paz resplandecia em intervalos entre as nuvens
carregadas de guerra. Não esqueçais que à frente dos estrangeiros havia uma
mulher, uma mulher mexicana, de uma tribo inimiga mas da nossa mesma raça.
Vós dizeis: Cortés, Cortés, e acreditais que Malitzin — Doña Marina, como a
chamais — lhe servisse só de intérprete. Não, o cérebro, ou pelo menos metade
do cérebro de Cortés, era ela: eram duas cabeças que guiavam a expedição
espanhola; o projeto da Conquista nascia da união de uma majestosa princesa de

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