frequência, é ali que a cidade onde habitei toda a minha vida se torna
finalmente o meu hábitat. É esse o canal que eu procurava sintonizar quando
apontava o controle remoto para as vitrines cintilantes das joalherias, para as
fachadas majestosas dos bancos, para as marquises e portas giratórias dos
grandes hotéis: guiando meus gestos havia o desejo de salvar todas as histórias
numa história que fosse também a minha: não a maldade ameaçadora e
obsessiva de que sou acusado.
Todos avançavam no escuro: a polícia, os magistrados, os peritos psiquiatras,
os advogados, os jornalistas. “Condicionado pela necessidade compulsiva de
mudar continuamente de canal, um telespectador enlouquece e pretende mudar
o mundo a golpes de controle remoto”: foi esse o esquema que, com poucas
variantes, serviu para definir meu caso. Mas os testes psicológicos sempre
excluíram que houvesse em mim a vocação do destruidor; e meu grau de
aceitação dos programas atualmente exibidos não se afasta muito da média dos
índices de satisfação. Talvez mudando de canal eu não procurasse subverter
todos os programas, mas algo que qualquer programa poderia comunicar se não
fosse corroído por dentro pelo verme que desnatura todas as coisas que cercam
minha existência.
Então imaginaram outra teoria, capaz de me fazer recobrar o juízo,
disseram eles; ou melhor, atribuem ao fato de eu ter me convencido sozinho o
freio inconsciente que me reteve de executar atos criminosos que, na opinião
deles, eu estava prestes a cometer. É a teoria segundo a qual, por mais que se
troque de canal, o programa é sempre o mesmo ou é como se fosse, seja um
filme, noticiário ou publicidade, a mensagem é uma só em todas as estações
porque tudo e todos fazemos parte de um sistema; e também fora da tela o
sistema tudo invade e só deixa espaço para mudanças de aparência; portanto,
que eu me agite tanto com o meu botão ou que fique de mãos no bolso dá
rigorosamente no mesmo, pois jamais conseguirei escapar do sistema. Não sei
se os que sustentam essas ideias acreditam nelas ou se só dizem isso pensando
em me acusar; de qualquer maneira, nunca tiveram a menor influência sobre
mim, pois não podem arranhar minha convicção a respeito da essência das
coisas. Para mim o que conta no mundo não são as uniformidades, mas as
diferenças: diferenças que podem ser grandes ou mesmo pequenas, minúsculas,
quem sabe imperceptíveis, mas o que conta é justamente ressaltá-las e
compará-las. Também sei que, pulando de um canal para outro, a impressão é
de que sempre nos servem a mesma sopa; e também sei que os acasos da vida
são limitados por uma necessidade que não permite que variem muito: mas é
nessa pequena distância que está o segredo, a faísca que põe em funcionamento
a máquina das consequências, graças à qual as diferenças, depois, se tornam
notáveis, grandes, imensas e, pura e simplesmente, infinitas. Olho as coisas ao
redor, todas oblíquas, e penso que teria bastado um nada, um erro evitado num
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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