Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

determinado momento, um sim ou um não que, mesmo deixando intacto o
quadro geral das circunstâncias, teria levado a consequências totalmente
diferentes. Coisas tão simples, tão naturais, que eu sempre esperava que
estivessem prestes a se revelar, a qualquer momento: pensar isso e apertar os
botões do controle remoto eram uma só e mesma coisa.
Com Volumnia pensei ter finalmente sintonizado o canal certo. De fato,
durante os primeiros tempos de nossa relação deixei o controle remoto
descansando. Tudo nela me agradava, o penteado de seus cabelos cor de tabaco
presos num chignon, a voz quase de contralto, as calças à zuavo e as botas
pontudas, a paixão, por mim compartilhada, pelos buldogues e pelos cáctus.
Igualmente agradáveis eu achava seus pais, as localidades em que haviam feito
investimentos imobiliários e onde passávamos revigorantes temporadas nas
férias, a companhia de seguros em que o pai de Volumnia me prometera um
emprego criativo com participação nos lucros, depois do nosso casamento.
Todas as dúvidas, as objeções, as hipóteses que não convergiam no sentido
desejado, eu procurava enxotá-las de minha mente, e, quando percebi que elas
se apresentavam cada vez mais insistentes, comecei a me perguntar se as
pequenas falhas, os mal-entendidos, as amolações que até então tinham me
parecido rusgas momentâneas e marginais não poderiam ser interpretados
como presságios de perspectivas futuras, ou seja, se nossa felicidade carregava
em estado latente essa sensação de ser algo forçado e enfadonho que temos
diante de uma telenovela ruim. Porém, minha convicção de que Volumnia e eu
éramos feitos um para o outro nunca se extinguiu: talvez em outro canal um
casal idêntico a nós, mas que o destino dotara de qualidades só levemente
diferentes, se preparasse para viver uma vida cem vezes mais atraente...
Foi com esse espírito que, naquela manhã, levantei o braço pegando o
controle remoto e o dirigi para as corbelhas de camélias brancas, para o
chapeuzinho enfeitado de cachos de uvas azuis da mãe de Volumnia, para a
pérola na gravata plastrom de seu pai, para a estola do oficiante, para o véu da
noiva bordado de prata... O gesto, no momento em que todos os presentes
esperavam o meu “sim”, foi mal interpretado: primeiro, por Volumnia, que viu
nele uma repulsa, uma afronta irreparável. Mas eu só queria significar que lá, no
outro canal, a nossa história, de Volumnia e eu, transcorria longe do júbilo das
notas dos órgãos e dos flashes dos fotógrafos, mas com muitas coisas a mais que
a identificavam com a minha verdade e a dela...
Talvez naquele canal mais além de todos os canais nossa história não tenha
terminado. Volumnia continua a me amar, enquanto aqui, no mundo onde eu
moro, já não consegui fazê-la entender minhas razões: ela não quis mais me ver.
Nunca mais me recuperei dessa ruptura violenta; foi a partir daí que comecei
essa vida, descrita nos jornais como a de um demente sem domicílio fixo, que
vagava pela cidade armado de seu engenho disparatado... Ao contrário, nunca

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