Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

exaltante do amor. Depois, passando mais tempo e fazendo ainda mais coisas
com essa moça, a gente percebe que as outras também eram assim, que eu
também sou assim, que somos todos assim, e cada gesto dela nos aborrece
como se repetido por milhares de espelhos. Tchau, moça.
A primeira vez que uma moça vem me ver, digamos Mariamirella, eu
praticamente não faço nada durante a tarde: vou ler um livro e depois percebo
que atravessei vinte páginas olhando as letras como se fossem figuras; escrevo
e, em vez de letras, faço desenhinhos na folha branca e todos os desenhinhos
juntos se tornam o desenho de um elefante; no elefante faço sombreados e no
final ele vira um mamute. Então fico com raiva desse mamute e o rasgo: toda
vez, um mamute, tão criança, será possível?
Rasgo o mamute, toca a campainha: Mariamirella. Devo correr para abrir
antes que a madame apareça na janelinha de grade do banheiro e grite;
Mariamirella fugiria apavorada.
Um dia a madame morrerá estrangulada pelos ladrões: está escrito, não há
nada a fazer. Ela acredita que pode evitar isso não indo abrir quando tocam a
campainha e perguntando “Quem é?” pela janelinha de grade da latrina, mas é
uma precaução inútil, os tipógrafos já compuseram a manchete — adelaide
braghetti, a dona da pensão, estrangulada por desconhecidos — e só esperam a
confirmação para fazer a paginação.
Mariamirella está ali na meia-luz, com uma boina de marinheiro de
pompom e a boca em forma de coração. Abro, e ela já preparou todo um
discurso para fazer assim que entrar, um discurso qualquer, pois precisa
discorrer copiosamente enquanto a guio pelo corredor escuro até o meu quarto.
Deve ser um discurso longo, para não ficar no meio do meu quarto sem
saber mais o que dizer. O quarto é inapelável, desesperado em sua desolação: a
cabeceira de ferro da cama, os títulos dos livros desconhecidos na pequena
prateleira.
— Venha olhar da janela, Mariamirella.
É um janelão cujo parapeito bate na altura do estômago, sem sacada, no alto
de dois degraus, e temos a impressão de estar subindo sem parar. Lá fora, o mar
avermelhado das telhas. Olhamos os telhados ao redor, a perder de vista, as
chaminés atarracadas que a certa altura explodem em tufos de fumaça, os
absurdos balaústres em cima de cornijas onde ninguém pode se debruçar, os
murinhos formando espaços vazios, no alto das casas deterioradas. Pus a mão no
ombro dela, mão meio inchada que não sinto como sendo minha, como se nos
tocássemos através de uma camada de água.
— Já viu bastante?
— Já.
— Vamos descer.

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