coisas falsas na cabeça.
— Eu gostaria, sabe, nós, as moças — diz. — Os homens: coisas lidas, coisas
ditas entre nós no ouvido desde meninas. A gente aprende que aquilo é mais
importante que tudo, a finalidade de tudo. Depois, sabe, percebo que nunca se
alcança aquilo, aquilo de verdade. Não é mais importante que tudo. Eu gostaria
que nada disso existisse, que a gente pudesse não pensar nisso. Mas a gente
sempre espera. Talvez seja preciso ser mãe para alcançar o verdadeiro
significado de tudo. Ou prostituta.
É isso: maravilhoso. Todos nós temos nossa explicação secreta. Basta
descobrir a explicação secreta e ela não é mais uma estranha. Ficamos
enroscados bem juntinhos um do outro, como cachorros grandes, ou divindades
fluviais.
— Sabe — disse Mariamirella —, talvez eu tenha medo de você. Mas não
sei onde me refugiar. O horizonte é deserto, só tem você. Você é o urso e a
gruta. Por isso estou agora enroscada em seus braços, para que você me proteja
do medo de você.
Só que para as mulheres é mais fácil. A vida corre dentro delas, grandes rios
dentro delas, as continuadoras, há a natureza segura e misteriosa dentro delas.
No passado, havia o Grande Matriarcado, a história dos povos fluía como a das
plantas. Depois, o orgulho dos zangões: uma revolta, eis a civilização. Penso
nisso, mas não acredito.
— Uma vez não consegui ser homem com uma moça, num prado, numa
montanha — digo. — A montanha se chamava Bignone, e a moça, Angela Pia.
Um grande prado, entre os arbustos, me lembro, e um grilo pulava em cada
folha. Aquele canto dos grilos, altíssimo, sem parar. Ela não entendeu muito
bem por que então eu me levantei e disse que o último teleférico estava prestes
a sair. Pois ia-se de teleférico àquela montanha: e quando se passava por um
poste de alta-tensão se sentia um vazio por dentro e ela disse: “É que nem
quando você me beija”. Isso, me lembro, me deu um grande alívio.
— Você não deve me dizer essas coisas — disse Mariamirella. — Não
haveria mais o urso nem a gruta. E ao meu redor só restaria o medo.
— Sabe, Mariamirella — digo —, não devemos separar as coisas e os
pensamentos. A maldição da nossa geração foi esta: não poder fazer o que
pensava. Ou não poder pensar o que fazia. Veja um exemplo: há muitos anos
(eu tinha falsificado a carteira de identidade por não ter ainda a idade exigida),
fui com uma mulher a uma casa de tolerância. A casa de tolerância se chamava
Via Calandra 15, e a mulher, Derna.
— Como?
— Derna. Naquele tempo havia o império, e a única coisa nova era que as
mulheres das casas se chamavam Derna, Adua, Harrar, Dessiè.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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