Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

Ada Ida tem mania de fazer observações: — E olhe o tique nervoso daquele
homem. E olhe como aquela velha passou pó de arroz.
Tudo aquilo me dava pena e eu queria que ela parasse. — E daí? E daí? — eu
dizia. — Tudo o que é real é racional. — Mas eu não estava totalmente
convencido.
Eu também sou real e racional, pensava, eu que não aceito, eu que construo
esquemas, eu que farei tudo mudar. Mas para fazer tudo mudar é preciso partir
daí, do homem com o tique nervoso, da velha com o pó de arroz, e não dos
esquemas. Também de Ada Ida, que continua a dizer: — Acompanhe-me até lá.
— Chegamos — diz Ada Ida, e descemos. — Você me acompanha até lá?
Não se importa?
— Tudo o que é real é racional, Ada Ida — digo-lhe. — Outro bonde para
pegar?
— Não, moro bem na esquina dessa rua.
Estávamos no fim da cidade. Construções de ferro se erguiam atrás dos
muros das fábricas; o vento agitava rastros de fumaça nos para-raios das
chaminés. E havia um rio com mato nas margens: o Dora.
Eu me lembrava de uma noite de vento, faz anos, ao longo do Dora, por
onde eu caminhava mordendo a bochecha de uma moça. Tinha os cabelos
compridos e finíssimos, que de vez em quando acabavam entre os meus dentes.
— Uma vez — digo —, mordi a bochecha de uma moça, aqui, no vento. E
cuspi fios de cabelo. É uma história lindíssima.
— Bem — diz Ada Ida —, cheguei.
— É uma história lindíssima — digo —, longa para contar.
— Cheguei — diz Ada Ida. — Ele já deve estar em casa.
— Ele quem?
— Estou vivendo com um cara que trabalha na Riv. Tem mania de pescar.
Encheu-me a casa de linhas de pesca, de moscas artificiais.
— Tudo o que é real é racional — digo. — Era uma história lindíssima. Diga-
me que bonde eu pego para voltar.
— O vinte e dois, o dezessete, o dezesseis — diz. — Todo domingo vamos
ao Sangone. Anteontem, uma truta assim.
— Você está cantando mentalmente?
— Não. Por quê?
— Por nada. Vinte e dois, vinte e sete, treze?
— Vinte e dois, dezessete, dezesseis. O peixe, ele quer fritar sozinho. Ih,
estou sentindo o cheiro. É ele, fritando.
— E o óleo? O do cupom de racionamento é suficiente para vocês? Vinte e
seis, dezessete, dezesseis.

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