Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

com a unha.
— Corrado! — chamou-o por cima de sua cabeça.
O amigo se assustou. — Ah, é você! Não o tinha visto. Estava distraído.
— Estou achando-o nervoso — disse Pietro, e, dando-se conta de que tudo o
que queria era identificar nos outros seu próprio estado, acrescentou: — Eu
também estou meio nervoso hoje.
— E quem não está? — disse Corrado, e em seu rosto largo passou aquele
sorriso paciente e irônico que convencia a todos a lhe darem ouvidos e
confiança.
— Sabe qual é a minha impressão? — disse Pietro. — É de sentir uns olhos
fixos em cima de mim.
— Olhos como?
— Olhos de alguém que já vi, mas que não lembro. Olhos frios, hostis...
— Olhos que praticamente não o observam, mas que você não consegue
ignorar?
— É... olhos como...
— Como os alemães? — disse Corrado.
— Isso, como os olhos de um alemão.
— É, compreendo — disse Corrado, e abriu os jornais que segurava na mão
—, com essas notícias... — Apontou as manchetes: “Kesselring anistiado...”,
“Assembleias de ss...”, “Financiamentos americanos para o neonazismo...” — É
por isso que estamos sentindo que eles vêm de novo para cima da gente...
— Ah, isso... Você acha que é isso... E por que sentimos só agora?...
Kesselring, os ss também já havia antes, há um ano também, há dois anos...
Talvez ainda estivessem na prisão, mas nós sabíamos muito bem que eles
existiam, nunca nos esquecemos deles...
— O olhar — disse Corrado. — Você me dizia que sentia como um olhar.
Até agora, eles não tinham esse olhar: ainda estavam de olhos baixos, e
perdemos o hábito... Já eram ex-inimigos, odiávamos o que tinham sido, não o
que eram agora. Inversamente, agora voltaram a ter o olhar de antes... o olhar
de oito anos atrás, na nossa frente... Nós nos lembramos dele, recomeçamos a
senti-lo diante de nós.
Tinham muitas recordações em comum, Pietro e Corrado, daqueles tempos.
E em geral não eram recordações alegres.
O irmão de Pietro tinha morrido num lager. Pietro vivia com a mãe, na
velha casa. Chegou em casa à noitinha. O portão fez o chiado de sempre, o
cascalho rangeu sob os seus sapatos como na época em que se apurava o ouvido
ao rumor do menor passo.
Por onde caminhava nesse momento o alemão que viera naquela noite?
Talvez atravessasse uma ponte, costeasse um canal, uma fila de casas baixas

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