Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Não, não, vou ao campo. Para os morangos. — E encheu com o lápis o
colar transformando-o em um enorme morango, com as sépalas e o pedúnculo.
— Veja, um morango.
— Sempre as mulheres, engenheiro — disse o rapaz piscando o olho.
— Safado — disse Enrico. Tocou o telefone. — Ah, sei, não havia nada.
Fique calma. Vou lá agora mesmo. Você recomendou ao garagista não dizer
nada? Mas a ele, diabos, ao fulano, à sua majestade! Bem. Claro que me lembro
do lugar... Depois ligo para você... tchau, fique sossegada... — Desligou,
assobiou, vestiu o sobretudo, saiu, pulou no scooter.
A cidade abriu-se como uma ostra, como um mar transparente. Quando
uma pessoa é jovem e anda por uma cidade, mais ainda se estiver com pressa,
acontece de vê-la abrir-se toda de repente diante de si, mesmo se, agora, ela é
conhecida e fechada e tão lisa que parece invisível. É o sabor da aventura: a
única coisa de sua juventude que Enrico, arquiteto cético antes do tempo, ainda
conservava.
Eis que sair à cata de colares perdidos revelava-se divertido, e nada maçante
como ele de início pensara. Talvez fosse justamente por estar pouco ligando
para o colar. Se o encontrasse, muito bem, se não, paciência: os dramas de
Umberta eram dramas de ricos, que quanto maior é a soma envolvida mais nos
parecem leves.
E, além do mais, o que afinal podia interessar a Enrico? Nada neste mundo.
Mas essa cidade por onde agora corria despreocupado e aventuroso também
havia sido para ele uma espécie de leito de faquir, que, para onde quer que ele
olhasse, era um grito, um pulo, um prego pontudo. Casas velhas, casas novas,
prédios populares ou palacetes aristocráticos, escombros ou andaimes de
canteiros de obras, a cidade foi para ele, em determinada época, uma floresta
de problemas: o Estilo, a Função, a Sociedade, a Medida Humana, a
Especulação Imobiliária... Agora o seu olhar passava com a mesma
condescendente ironia histórica pelo estilo neoclássico, pelo liberty, pelo estilo
século xx, e com a objetividade de quem constata fenômenos naturais ele
passava em revista os velhos conjuntos habitacionais insalubres, os novos
arranha-céus, os escritórios racionais, as rosáceas de mofo nas paredes sem
janelas; e não mais ouvia aquele toque como das trombetas de Jericó que no
passado acompanhavam seus passos, os passos dele, que na cidade monstruosa
iria atacar os erros da burguesia, dele, que iria destruir e reedificar para uma
humanidade nova. Naquele tempo, quando uma passeata de operários com
cartazes e o séquito das bicicletas puxadas pela mão enchiam as ruas que iam
dar na prefeitura, Enrico se unia a eles, e sobre aquela multidão modesta lhe
parecia que pairava, geométrica nuvem, a imagem da Cidade Futura, branca e
verde, que ele iria construir para eles.
Tinha sido um revolucionário, naqueles tempos, Enrico: esperava que o

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