Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

meses que estávamos em rota para o Atlântico, nossas provisões estavam
reduzidas ao extremo e avariadas; todo dia o escorbuto levava algum de nós,
que desabava no mar dentro de um saco enquanto o timoneiro murmurava às
pressas dois versículos da Bíblia. Lá longe, no galeão, os inimigos espiavam com
lunetas cada saco que afundava no mar e faziam sinais com os dedos como se
estivessem ocupados em contar as nossas perdas. Praguejávamos contra eles:
seria preciso mais que isso até que dessem todos como mortos, nós, que
tínhamos passado por tantas tempestades, muito diferentes daquela bonança
das Antilhas...
— Mas uma saída, como o senhor a encontrou, tio Donald?
— O que é que vocês disseram? Uma saída? Bah, nós nos perguntávamos
continuamente, durante todos os meses que durou a bonança... Muitos dos
nossos, especialmente entre os mais velhos e os mais tatuados, diziam que
sempre tínhamos sido um navio de corrida, bom para ações rápidas, e
recordavam os tempos em que as nossas colubrinas desguarneciam os mastros
dos mais poderosos navios espanhóis, abriam brechas em seus costados,
duelavam com viradas bruscas... É isso mesmo, na marinha de corrida, sem a
menor dúvida tínhamos sido ótimos, mas naquela época havia o vento, andava-
se velozmente... Agora, naquela grande bonança, esses comentários sobre salvas
e abordagens eram apenas um modo de nos divertirmos esperando sabe-se lá o
quê; a chegada de um vento de sudoeste, uma tempestade, quem sabe até um
tufão... Por isso as ordens eram de que não devíamos nem sequer pensar nisso, e
o capitão havia explicado que a verdadeira batalha naval consistia em ficarmos
ali parados, olhando-nos, mantendo-nos prontos, reestudando os planos das
grandes batalhas navais de Sua Majestade Britânica, e as regras do manejo das
velas e o manual do perfeito timoneiro, porque as regras da frota do almirante
Drake eram as regras da frota do almirante Drake, pouco importando o que
acontecesse: se começássemos a mudá-las não se sabia mais onde...
— E depois, tio Donald? Ei, tio Donald! Como vocês conseguiram se mover?
— Humm... Humm... o que eu estava dizendo? Ah, sim, ai de nós se não
mantivéssemos a mais rígida disciplina e obediência às regras náuticas. Em
outros navios da frota de Drake ocorreram mudanças oficiais e também
motins, revoltas: agora todos queriam singrar os mares de outra maneira, havia
homens simples da churma, marinheiros de quarto e até mesmo grumetes que
haviam se tornado especialistas e tinham o que dizer a respeito da navegação...
Isso, a maioria dos oficiais e dos quartéis-mestres considerava o perigo mais
grave, e ai de nós se eles ouvissem comentários de quem queria reexaminar
desde o início o regulamento naval de Sua Majestade Elizabeth. Nada disso,
devíamos continuar a limpar as espingardas, lavar a ponte, verificar o
funcionamento das velas, que pendiam frouxas no ar sem vento, e nas horas de
folga de nossas longas jornadas na tolda o passatempo considerado o mais

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