no céu da nossa aldeia apareceu uma diabrura qualquer vinda do lado de lá do
Kilimanjaro, como diz a profecia, eis que apareceu uma outra do lado oposto,
ainda pior, e fugiu para longe, e foi desaparecer mais para lá da crista do
Kilimanjaro: sinal infausto, portanto, e as esperanças de aproximação da
Grande Hora se desfazem. Assim, com sentimentos dúbios, escrutamos o céu
cada vez mais armado e mortal, como outrora líamos o destino no curso sereno
dos astros e cometas errantes.
Na nossa tribo agora só se discutem os foguetes teleguiados, e ao mesmo
tempo continuamos a andar armados de machados grosseiros e lanças e
zarabatanas. Por que preocuparmo-nos com isso? Somos a última aldeia nas
margens da selva. Aqui, entre nós, jamais as coisas mudarão até que soe a
Grande Hora dos profetas.
E no entanto aqui também não estamos mais na época em que, de vez em
quando, chegava de piroga um comerciante branco para comprar cocos, e às
vezes nos tapeava no preço — às vezes éramos nós que o passávamos para trás;
agora existe a Cocobelo Corporation, que compra toda a colheita, em bloco, e
impõe os preços, e somos obrigados a apanhar cocos num ritmo acelerado, com
equipes que se revezam dia e noite, para alcançarmos a produção prevista no
contrato.
Apesar disso, há entre nós quem diga que os tempos prometidos pela Grande
Profecia estão mais próximos do que nunca, e não por causa dos presságios
celestes, mas porque os milagres anunciados pelos Deuses agora são problemas
técnicos que só nós poderemos resolver, e não a Cocobelo Corporation. Pois é:
como se fosse pouco! Enquanto isso, o negócio é ir tocando a Cocobelo
Corporation! Seus agentes, nos escritórios das docas à beira do Grande Rio, com
as pernas em cima da mesa e o copo de uísque na mão, parecem só ter medo de
que esse novo míssil seja maior que o outro — em suma, também não falam de
outra coisa. Há nisso uma coincidência entre o que eles dizem e o que dizem os
bruxos: é na potência dos bólidos celestes que reside todo o nosso destino!
Eu também, sentado na entrada da cabana, olho as estrelas e os foguetes
aparecerem e desaparecerem, penso nas explosões que envenenam os peixes no
mar e nas reverências que trocam, entre duas explosões, aqueles que as
decidem. Gostaria de entender mais: é verdade que as vontades dos Deuses se
manifestam nesses sinais, e aí estão também encerradas a ruína ou a fortuna de
nossa tribo... Mas tenho uma ideia na cabeça que ninguém me tira: que uma
tribo que se confia apenas à vontade dos bólidos celestes, no melhor dos casos,
continuará sempre a vender os seus cocos abaixo do preço.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1