Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

esses detalhes não têm nenhuma importância para os objetivos do nosso
trabalho, pois na memória do mundo eu continuo a ser o marido feliz e depois o
viúvo inconsolável que todos vocês conhecem. Mas não encontrei a paz: a
Angela-informação ainda continuava a ser parte de um sistema de informações,
algumas das quais podiam se prestar a ser interpretadas — por distúrbios na
transmissão, ou por maldade do decodificador — como suposições equívocas,
insinuações, ilações. Resolvi destruir nos nossos fichários qualquer presença de
pessoas com quem Angela podia ter tido relações íntimas. Foi muito
desagradável para mim, já que de alguns de nossos colegas não restará traço na
memória do mundo, como se nunca tivessem existido.
Você acha que estou lhe dizendo essas coisas para pedir a sua cumplicidade,
Müller. Não, não é essa a questão. Devo informá-lo sobre as medidas extremas
que sou obrigado a tomar para fazer com que a informação de cada possível
amante de minha mulher permaneça excluída dos fichários. Não me preocupo
com as consequências para mim; os anos que me restam de vida são poucos em
relação à eternidade em que estou habituado a contar; e já estabeleci de uma
vez por todas e passei para as fichas perfuradas o que fui verdadeiramente.
Se na memória do mundo não há nada a corrigir, a única coisa que resta
fazer é corrigir a realidade ali onde ela não coincide com a memória do mundo.
Assim como apaguei a existência do amante de minha mulher das fichas
perfuradas, assim também devo apagá-lo do mundo das pessoas vivas. É por isso
que agora puxo o revólver, aponto-o contra você, Müller, aperto o gatilho,
mato-o.

Free download pdf