Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Não, não — me corrigiram —, o senhor não entendeu! É o vencimento do
prazo. O tempo deles acabou.
— E aí?
— E aí deixam de ser chefes, de estarem lá em cima: caem.
— E por que sobem nos palanques?
— Nos palanques a gente pode ver perfeitamente como o chefe cai, o pulo
que dá, cortado de uma vez só, e como vai terminar na cesta.
Eu começava a entender, mas não tinha muita certeza. — A cabeça dos
chefes, o senhor quer dizer? Na cesta?
Faziam sinal afirmativo. — É isso. A decapitação. Ela mesma. A
decapitação dos chefes.
Havia pouco tempo que eu chegara ali, não sabia nada, não tinha lido nada
nos jornais.
— Então, amanhã, de repente?
— Quando chega a hora, chega a hora — diziam. — Desta vez cai no meio
da semana. Faz-se festa. Tudo fechado.
O velho acrescentou, sentencioso: — Quando a fruta está madura é colhida,
o chefe é decapitado. O senhor deixaria as frutas apodrecerem nos galhos?
Os carpinteiros estavam com o trabalho bem adiantado: em certos
palanques instalavam as armações das pesadas guilhotinas; em outros prendiam
solidamente as toras para a degolação com a lâmina, encostadas em
confortáveis genuflexórios (um dos ajudantes fazia o teste de se abaixar ali e
pôr o pescoço em cima da tora, para testar se estava na altura certa); em
outros lugares, enfim, aprontavam como que umas bancadas de açougueiro,
com a ranhura para deixar o sangue escorrer. No soalho dos palanques
estendiam um pano encerado, e já estavam preparadas as esponjas para limpá-
lo dos respingos. Todos trabalhavam com entusiasmo; ouviam-se seus risos,
assobios.
— Então, vocês estão contentes? Vocês os odiavam? Eram maus chefes?
— Não, quem disse isso? — olharam-se entre si, surpresos. — Bons. Em
suma, nem melhores nem piores do que tantos outros. Bem, a gente sabe como
eles são: chefes, dirigentes, comandantes... Se alguém chega a um desses
postos...
— Mas — disse um deles — desses eu gostava.
— Eu também. Eu também — outros fizeram eco. — Nunca tive nada
contra eles.
— E não ficam tristes quando os matam? — disse eu.
— O que fazer? Se alguém aceita ser chefe já sabe como acaba. Nunca
pretenderá morrer na cama!
Os outros riram.

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