Bem que gostaríamos de ver!
— As coisas não se passam assim como vocês dizem — interveio o homem
de óculos. — Não é verdade que os chefes sejam obrigados a se submeter às
execuções. Se dizemos isso perdemos o sentido verdadeiro dos nossos
regulamentos, a verdadeira relação que liga os chefes ao resto da população. Só
os chefes podem ser decapitados, por isso não se pode querer ser chefe sem
querer ao mesmo tempo o corte do machado. Só quem sente essa vocação pode
se tornar um chefe, só quem já se sente decapitado desde o primeiro momento
em que se senta num posto de comando.
Pouco a pouco os fregueses do bar tinham se dispersado, cada um voltara
para o seu trabalho. Percebi que o homem de óculos se dirigia só a mim.
— Isso é o poder — continuou —, essa espera. Toda a autoridade de que se
usufrui é apenas o prenúncio da lâmina que assobia no ar, e se abate com um
corte seco, todos os aplausos são apenas o início daquele aplauso final que acolhe
a cabeça rolando pelo oleado do palanque.
Tirou os óculos para limpá-los com o lenço. Percebi que estava com os olhos
rasos de lágrimas. Pagou a cerveja e foi embora.
O homem do bar se inclinou perto do meu ouvido.
— É um deles — disse. — Está vendo? — E pegou debaixo do balcão uma
pilha de retratos. — Amanhã tenho de tirar os outros e pendurar estes aqui. —
O retrato no alto era o do homem de óculos, uma ampliação ruim de uma
fotografia de identidade. — Foi eleito para suceder aos que deixam o cargo.
Amanhã assumirá suas funções. Agora é a vez dele. A meu ver fazem mal em
dizer-lhe isso na véspera. Viu em que tom ele julga as coisas? Amanhã assistirá
às execuções como se já fossem a sua. Todos fazem assim, nos primeiros dias;
impressionam-se, exaltam-se, acreditam sabe-se lá em quê. A “vocação”: a
palavra pomposa que ele desencavou!
— E depois?
— Cairá na realidade, como todos. Eles têm tantas coisas para fazer, não
pensam mais nisso, até que chega o dia da festa, para eles também. Em suma:
quem pode ler no coração dos chefes? Fingem não pensar nisso. Mais uma
cerveja?
2
A televisão mudou muitas coisas. Antigamente, o poder ficava longe, figuras
distantes, empertigadas em cima de um palanque, ou retratos numa atitude e
com expressões de altivez convencional, símbolos de uma autoridade que
dificilmente se conseguia atribuir a indivíduos de carne e osso. Agora, com a
televisão, a presença física dos homens políticos é algo próximo e familiar; seus
rostos, ampliados no vídeo, visitam cotidianamente as casas dos cidadãos