Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

Essa frase, pronunciada por Virghilij Ossipovitch com um leve tremor que
contrastava com o tom quase protocolar, embora carregado dos ásperos
acentos polêmicos em que se desenvolvera a discussão até o momento, quebrou
a tensão na assembleia do movimento “Volja i Raviopravie”. Virghilij era o
mais jovem membro do comitê diretor; um leve buço escurecia seu lábio
proeminente; cachos de cabelos louros caíam sobre seus olhos cinzas e
amendoados; aquelas mãos de articulações avermelhadas, cujos pulsos saíam
sempre de mangas curtas demais, não haviam tremido ao armarem a bomba
debaixo da carruagem do czar.
Os militantes de base ocupavam todos os lugares ao redor, na sala baixa e
enfumaçada do subsolo; a maior parte deles, sentados em bancos e tamboretes,
alguns de cócoras no chão, outros em pé, de braços cruzados, encostados nas
paredes. O comitê diretor ficava instalado no meio, oito rapazes curvados em
volta da mesa abarrotada de papéis, como um grupo de colegas de escola
fazendo um esforço concentrado antes dos exames de fim de ano. Às
interrupções dos militantes, que choviam em cima deles dos quatro cantos da
sala, respondiam sem se virar e sem levantar a cabeça. De vez em quando, uma
onda de protestos ou aprovações subia da assembleia e — já que muitos se
levantavam e davam um passo à frente — parecia convergir das paredes para a
mesa, submergindo as costas do comitê diretor.
Liborij Serapionovitch, o secretário hirsuto, várias vezes já havia proferido a
máxima lapidar a que se recorria frequentemente para acalmar as divergências
irredutíveis: “Se o companheiro se separa do companheiro, o inimigo se une com
o inimigo”, e a assembleia retrucara escandindo em coro: “A cabeça que está na
cabeça até mais além da vitória cairá no dia seguinte, vitoriosa e honrada”,
admoestação ritual que os militantes do “Volja i Raviopravie” não deixavam de
endereçar a seus dirigentes toda vez que lhe dirigiam a palavra, e que os
próprios dirigentes trocavam entre si como expressão de saudação.
O movimento lutava para instaurar, sobre as ruínas da autocracia e da
Duma, uma sociedade igualitária em que o poder fosse regulado pelo
assassinato periódico dos chefes eletivos. A disciplina do movimento, tão mais
necessária na medida em que a polícia imperial exacerbava a repressão, exigia
que todos os militantes fossem obrigados a seguir sem discussão as decisões do
comitê diretor; ao mesmo tempo, a teoria recordava em todos os seus textos
que cada função de comando só era admissível se exercida por quem já tivesse
renunciado a gozar dos privilégios do poder e virtualmente não pudesse mais ser
incluído entre os vivos.
Os jovens chefes do movimento nunca pensavam na sorte que lhes reservava
um futuro ainda utópico: por ora, era a repressão czarista que promovia a
renovação dos quadros, infelizmente cada vez mais rápida; o perigo das
detenções e das forcas era demasiado real e cotidiano para que as conjecturas

Free download pdf