Aventuras na História - Edição 195 (2019-08)

(Antfer) #1
troncos de árvores, bambus e cipós. Os casebres,
plantados em clareiras na mata, eram rodeados
pelas criações de cabras, galinhas, porcos e ani-
mais de estimação. Com o tempo, os quilombo-
las fizeram pequenas roças de milho e de man-
dioca, sem dúvida, um traço da influência
indígena. “No modelo tradicional de resistência
à escravidão (o quilombo de rompimento), a
tendência dominante era a política do esconde-
rijo e do segredo de guerra. Por isso, os quilom-
bolas esforçavam-se para proteger o seu dia a
dia, sua organização interna de todo tipo de
forasteiro”, descreve o pesquisador do setor de
História da Fundação Casa de Rui Barbosa do
Rio de Janeiro, Eduardo Silva. “Já os quilombos
urbanos eram dormitórios dos negros fugitivos
que tentavam a sobrevivência nos mercados e
nos portos das cidades”, completa. Os esconde-
rijos urbanos proliferam com a vinda da família

real portuguesa para o Brasil, em 1808. O boom
aconteceu principalmente nas cidades portuá-
rias como Rio de Janeiro, Recife, Salvador e
Pelotas. Por quê? Ora, porque agora era preciso
mais mão de obra. A economia local havia ga-
nhado impulso com a chegada da corte, e, com
o empurrão financeiro, crescia também o nú-
mero de negros “importados” da África. Basta-
va um passeio pelas ruas do Rio de Janeiro, por
exemplo, para perceber o frenesi. No porto, os
escravos perambulavam de um lado para o ou-
tro carregando sacas dos navios para o cais. Já
no centro da cidade encontravam-se os chama-
dos escravos de ganho, que trabalhavam como
marceneiros, sapateiros, prostitutas, quitandei-
ras ou carregadores. No final do dia, eles leva-
vam o dinheiro arrecadado para os seus senho-
res. No meio dessa massa misturavam-se os
negros libertos e fugitivos das fazendas – ou

seja, os habitantes dos quilombos urbanos. Esses
agrupamentos de negros fujões tiraram o sono
dos poderosos. Preocupados com as concentra-
ções clandestinas de negros, as autoridades es-
palhavam capitães do mato (os caçadores de
escravos fugidos), patrulhas policiais e até o
Exército pelos subúrbios com a missão de des-
cobrir e destruir os esconderijos. “As aglomera-
ções ficavam a quatro ou cinco quilômetros da
cidade, encravadas no alto dos morros ou nos
vales”, explica o professor Wilson do Nascimen-
to Barbosa, do Departamento de História da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huma-
nas da Universidade de São Paulo – FFLCH/USP.
Dois bons exemplos que demonstram o pâ-
nico causado pelos quilombos urbanos estão em
correspondências expedidas por autoridades
coloniais. Em 1791, o governador de São Paulo,
Bernardo José Maria Lorena, ordenou ao seu
capitão-mor que transmitisse instruções aos
“capitães de suas ordenanças”. Sua exigência:
espalhar soldados com armas de fogo para
“prender ou matar os negros dos quilombos que
tanta desordem andavam fazendo na cidade”.
Em 1807, o governador da Bahia, João de Salda-
nha da Gama Mello e Torres Guedes de Brito
escreveu de Salvador para o Conselho Ultrama-
rino em Portugal: “Sendo muito frequentes as
deserções de escravos do poder de seus senhores,
entrei na curiosidade de saber que destino se-
guiam, e sem dificuldade, conheci os subúrbios
desta capital, onde são inumeráveis os ajunta-
mentos desta qualidade de gente”.
Com tanto burburinho, os quilombos urba-
nos tornaram-se, ao mesmo tempo, mais atra-
entes e mais perigosos para os negros que ali se
refugiavam, já que caçar negros virou um negó-
cio lucrativo para os cidadãos livres. Tanto que
o que mais rendia anúncios para as seções de
classificados dos jornais eram exatamente os
valores oferecidos pela captura de um fugitivo.
“Para uma pessoa pobre, fosse branca ou mula-
ta, prender um cativo fujão era uma ótima forma
de ganhar uns trocados, o que unia a população
livre contra o escravo fugitivo”, conta o pesqui-
sador Mário José Maestri Filho, da Universidade
de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul.

Os quilombos urbanos


eram dormitórios de negros


fugitivos que tentavam


sobreviver no mercado local


Homens
conversando em
banco de praça
de São Paulo

BRASIL

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