Casal de
ex-escravos de
mãos dadas em
frente ao seu
barraco, em Porto
Alegre, 1900Escravo de ganho
trabalhando como
barbeiro em 1865Vendedora
de frutas no
Rio de Janeiro
MUNDO MARGINAL
Com o fim da escravidão, os quilombos
urbanos não desapareceram da
paisagem das cidades. Só se transfor-
maram. Segundo a arquiteta e urbanista
Raquel Rolnik, os antigos redutos de
resistência à escravidão viraram
“territórios negros”, onde as tradições
herdadas dos africanos floresceram.
Manifestações como a capoeira, o
batuque, as danças de roda e o culto
aos orixás, práticas malvistas pela
sociedade, encontraram nesses locais
um porto seguro. “A organização
espacial do terreiro, da família matriar-
cal, unicelular, era vista pelas autorida-
des como cortiços que precisavam ser
eliminados. Os espaços dos quilombos
continuaram sendo estigmatizados”, diz.
Mesmo com a perseguição, os
bairros que nasceram sobre as ruínas
dos velhos quilombos – Liberdade, em
Salvador; Gamboa e Serrinha, no Rio
de Janeiro, e Bexiga e Barra Funda, em
São Paulo – tornaram-se berços das
escolas de samba, dos grupos de
jongo, dos templos de cultos africanos
e das rodas de tiririca, nome antigo da
capoeira. Se não chegavam a ser
guetos exclusivamente ocupados por
descendentes de escravos eram
pontos de encontro para a celebração
de sua cultura. Ao mesmo tempo que
serviam de quartel-general da cultura
afro, as vizinhanças negras ganhavam
a imagem de redutos marginais. Como
os descendentes dos escravos tinham
dificuldade para conseguir empregos
no comércio e nas indústrias, acaba-
vam envolvidos em atividades ilícitas.
A situação atingiu tamanha propor-
ção, que, em 1937, o então presidente
Getúlio Vargas baixou um decreto que
obrigava as indústrias a contratar
“brasileiros”. “E a ideia de malandro,
vagabundo e prostituta acabou se
associando aos negros e ao submundo
da pobreza para o qual eles foram
empurrados”, diz o professor da USP
Wilson Barbosa.