Aventuras na História - Edição 195 (2019-08)

(Antfer) #1
No meio de tantos delatores, os negros fugi-
tivos podiam contar especialmente com a ajuda
dos escravos de ganho e dos africanos que já
tinham conquistado a liberdade. Eles davam
um jeitinho de camuflar os companheiros. A
estratégia era bastante simples: misturavam-se
uns aos outros nos mercados para que o traba-
lho de repressão ficasse difícil. Na bagunça,
tornava-se quase impossível saber quem era
quem. Alguns comerciantes também colabora-
vam com os fujões. Para eles, era vantajoso
manter os fugitivos por perto. Em troca do si-
lêncio, exploravam a mão de obra, além de
comprar produtos baratos e de boa qualidade
produzidos nos quilombos.

A LUTA PELA LIBERDADE
Enquanto as aglomerações de negros tomavam
conta dos subúrbios das cidades, a abolição da
escravatura passava a fazer parte das rodas de
conversas dos intelectuais, dos políticos, de
integrantes da classe média urbana e até da
elite econômica, que, timidamente, começava
a criar estratégias para pressionar pelo fim do
regime servil. A primeira vitória dos defensores
da liberdade dos negros foi uma nova legislação
que entrou em vigor em setembro de 1850, gra-
ças à pressão da coroa britânica. Por motivos
econômicos, os ingleses vinham perseguindo
e dificultando a vida dos traficantes de escravos
desde o início do século.
A nova lei, denominada “Eusébio de Quei-
roz”, previa penas para o tráfico negreiro que
iam da apreensão dos navios e suas “cargas” até
a prisão de todas as pessoas que fossem flagra-
das participando desse tipo de negócio. Um
golpe dramático para os fazendeiros e demais
escravocratas. Por outro lado, a Guerra do Pa-
raguai (1865-1870), onde milhares de comba-
tentes negros lutaram pelo Brasil, fez com que
muitos militares se tornassem também simpá-
ticos à causa. O resultado disso tudo é que as
ações abolicionistas encontravam cada vez me-
nos resistência e repressão. Estavam criadas as
condições para que surgisse um novo tipo de
quilombo urbano, o quilombo abolicionista.
Essa forma de organização dos escravos apre-

sentava diferenças marcantes dos quilombos de
rompimento, localizados no interior do país.
Eram comandados por líderes que mostravam
a cara e brandiam a bandeira da abolição sem
medo. “Os líderes eram cidadãos livres, com
documentação civil em dia e muito bem articu-
lados politicamente. Não se tratava mais dos
guerreiros do modelo anterior. Agora a lideran-
ça representava uma espécie de ponte entre a
comunidade de fugitivos e a sociedade”, diz o
historiador Eduardo Silva. Integrantes do mo-
vimento pela liberdade dos negros, como André
Rebouças e Antonio Bento, por exemplo, incen-
tivavam a formação dos quilombos abolicionis-
tas. E entidades como a Confederação Abolicio-
nista, localizada no Rio de Janeiro, e os Caifazes,
da cidade de São Paulo, promoviam e apoiavam
as fugas em massa das fazendas. Depois de via-
jar de trem, amontoados em charretes ou mesmo

a pé, os negros desembarcavam nos principais
quilombos abolicionistas: Petrópolis, na Serra
Fluminense; Leblon, no Rio de Janeiro; Cupim,
em Recife, e Jabaquara, em Santos. Este último
chegou a ter cerca de 10 mil escravos.
Nos anos que se seguiram, muitos quilombos
abolicionistas pipocaram país afora. E a presen-
ça crescente desses quilombolas nas paisagens
urbanas somada à intensificação dos movimen-
tos de libertação, à facilidade cada vez maior
para os deslocamentos dos negros e à diminui-
ção das perseguições resultaram no fim, de fato,
da escravidão no Brasil. Quando, em 13 de maio
de 1888, a princesa Isabel assinou a famosa Lei
Áurea, a liberdade já fazia parte da vida da po-
pulação negra. A lei apenas oficializou uma
realidade conquistada a duras penas. O Brasil
foi o último país do Ocidente a acabar com o
regime de trabalho servil.

A Lei Áurea ofi cializou


a liberdade que já estava


conquistada, a duras penas,


pelo movimento abolicionista


Luis Gama


José do
Patrocínio

IMAGENS GETTY IMAGES E DOMÍNIO PÚBLICO
Free download pdf