Aventuras na História - Edição 195 (2019-08)

(Antfer) #1

PERON


naquela semana, as gravatas pretas se esgotaram
nas lojas de Buenos Aires. Enquanto isso, um
sindicato local se apressava em enviar ao Vati-
cano o pedido de canonização de Santa Evita.
Nas rádios, vozes solenes anunciavam: “Ha
muerto la Jefa Espiritual de la Nación”.
Eva Perón morrera às 20h25 de 27 de julho
de 1952, encerrando 33 anos de uma vida breve,
mas notável. Naquele mesmo minuto, começava
outra existência, a de um corpo inerte, mas não
menos vívido, que duraria 24 anos e atravessaria
continentes numa epopeia insólita que desafia
até a mais desvairada das ficções. Morta, Evita
tornou-se mais viva do que quando respirava.
O primeiro ato dessa saga começa em 7 de
maio de 1919 no povoado de Los Toldos, a 300
quilômetros de Buenos Aires, quando nasce a

na Argentina, com direito a capas de revistas e
alguns filmes no currículo, conheceu o general
Juan Domingo Perón, então secretário de Tra-
balho e Previdência Social do governo federal.
A ocasião: um festival organizado por Perón
com a presença de diversos artistas em solida-
riedade às 8 mil vítimas fatais de um terremoto
que havia ocorrido na cidade de San Juan. Perón
tinha 48 anos; Evita, 24. Quem seduziu quem,
é matéria de especulação. O fato é que, poucos
dias depois, o general já frequentava a casa de
Eva na Calle Posadas.
Atrizes não eram muito bem-vistas na Argen-
tina da época, mas Perón sentiu que Evita podia
lhe ser útil: tinha a seu lado uma companheira
que, vinda do povo, o aproximava do povo. Com
o adicional, claro, do carisma e do poder da

N


a noite em que Evita morreu, não tardou
nem 12 horas para que se tornasse imor-
tal. Trinta minutos depois do último sus-
piro, seu corpo foi entregue ainda morno ao
embalsamador Pedro Ara, que varou a madru-
gada injetando soluções químicas para debelar
a morte em seu rápido processo de decomposi-
ção. Ao amanhecer, o corpo de Eva Perón esta-
va incorruptível. Seria velado pelos 13 dias se-
guintes por 2 milhões de argentinos. Meio
milhão beijou seu ataúde. Alguns desmaiaram
quando a viram. Outros, segundo se conta, ti-
veram de ser contidos para não se matar com
navalhas e vidrinhos de veneno. Do lado de fora,
18 mil coroas de flores decoravam a fachada do
Ministério do Trabalho. As filas alcançavam
trinta quadras. Era tanta gente enlutada que,

quinta filha de Juan Duarte, rico fazendeiro, e a
cozinheira de sua estância, Juana Ibarguren, a
quem tinha por amante. Deram-lhe o nome de
Eva María, as duas mulheres cruciais do cristia-
nismo numa pessoa só: a santa e a pecadora. Juan
Duarte sustentou a família de Evita até morrer,
em 1926, desencadeando longos anos de penúria
e privações à menina, além da humilhação que
as crianças sofriam pelo fato de serem bastardas.
Decidida a deixar no interior esse passado de
vergonha, Evita mudou-se aos 15 anos para Bue-
nos Aires para se tornar atriz. Em 1935, já inter-
pretava melodramas no rádio-teatro, revelando
intimidade com os microfones que ganharia
contornos épicos nos discursos que viria a fazer
da Casa Rosada, o palácio presidencial.
Em 1944, Eva Duarte – já atriz consolidada
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