Aventuras na História - Edição 195 (2019-08)

(Antfer) #1
comunicação radiofônica. Evita, por sua vez,
sabia que a ideia de se associar a um homem de
grande poder alavancaria sua carreira. “Nesse
casamento, se juntaram duas vontades, duas
paixões de poder. Não foi um casamento por
amor”, escreve Alicia Dujovne Ortiz na biogra-
fia Eva Perón: a Madona dos Descamisados.
O que Evita não sabia era que seu grande
papel não a aguardava na rádio ou nas telas. E
a estreia se deu em outubro de 1945, quando
Perón foi destituído do cargo de secretário por
um golpe civil e militar que culminou com sua
prisão. Na madrugada do dia 17, milhares de
trabalhadores marcharam até a Plaza de Mayo
e, diante da Casa Rosada, exigiram a libertação
do general. Evita foi uma das articuladoras des-
se ato, que entrou para a história como o marco
fundador do peronismo. Cinco dias depois,
casou-se com Perón. Ao cabo de quatro meses,
com a vitória do marido nas eleições de 1946,
tornou-se a primeira-dama da Argentina.
À semelhança de Getúlio Vargas no Brasil,
Perón inaugurou uma era de forte ingerência do

Estado na economia e no bem-estar da popula-
ção. Nacionalizou setores estratégicos, impul-
sionou a indústria, criou um sistema unificado
de saúde pública, instituiu a gratuidade do en-
sino universitário e concedeu benefícios à clas-
se trabalhadora, como a ampliação da aposen-
tadoria e a criação do décimo terceiro salário.
Em seu governo, também as mulheres conquis-
taram o direito de votar – um triunfo em gran-
de parte viabilizado pela intensa campanha de
Eva em favor da aprovação da lei do sufrágio
universal, promulgada em 1947. Conhecida
como “Ley Evita”, ela também levou as primei-
ras mulheres a ocupar cargos legislativos. No
pleito de 1951, foram eleitas 23 deputadas e seis
senadoras, todas do Partido Peronista Femenino


  • criado, é claro, por Evita.


A DAMA DA ESPERANÇA
O foco do peronismo nos direitos sociais foi um
campo fértil para que Eva Perón construísse uma
imagem pública fortemente associada à popula-
ção de baixa renda, os chamados “descamisa-
dos”. Já no primeiro ano de mandato montou
um gabinete próprio onde começou a organizar
sindicatos e promover ações de assistência social.
Recebia pessoalmente, todos os dias, cada cida-
dão que chegasse lhe solicitando ajuda, fosse um
pedido de emprego, moradia ou atendimento
médico. “Vocês têm o dever de pedir”, dizia. Para
um povo acostumado à obediência, aquilo soava
quase como uma insurreição.
Em 1947, foi constituída a Fundação Eva Pe-
rón, que passaria a centralizar diversas iniciati-
vas de auxílio à classe trabalhadora. Em pouco
mais de quatro anos, o órgão criou 30 mil novos
leitos hospitalares, botou 16 mil crianças nas
escolas e ergueu dezenas de conjuntos habitacio-
nais. Evita supervisionava pessoalmente cada
iniciativa, visitando com frequência hospitais,
fábricas e bairros populares, onde enfeitiçava a
audiência com seus discursos de palavras sim-
ples, mas contundentes, marcados por uma re-
tórica impecável talhada pelos anos de experi-
ência como atriz de radionovelas. E mesmo
quando visitava favelas, vestia-se de maneira
impecável, desfilando modelos desenhados por
estilistas como Christian Dior. Em 1953, numa
entrevista à revista Paris Match, o estilista fran-
cês declarou: “A única rainha que vesti foi Eva
Perón”. Aos críticos, ela rebatia: “Os pobres gos-
tam de me ver linda. Não querem ser protegidos
por uma velha malvestida”.
A presença cativante, a fala vigorosa e, sobre-
tudo, o fervor com que Evita se entregava às
causas sociais ajudaram a moldar a figura da
“Dama da Esperança” dos argentinos. Desen-
volveu-se um forte culto à sua imagem, reforça-
do pelos meios de comunicação – vale lembrar
que os principais jornais e rádios do país per-
tenciam ao governo, e os que não eram peronis-
tas sofriam constantes censuras. Tonificado pelo
eficiente aparato ideológico presidencial, o mito
de Evita cresceu a ponto de ela ser venerada
quase como santa. Montavam-se altares com

O MITO DE EVITA CRESCEU TANTO


ENTRE O POVO A PONTO DE ELA SER


VENERADA QUASE COMO SANTA


PERSONAGEM

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