Aventuras na História - Edição 195 (2019-08)

(Antfer) #1
IMAGENS BETTMANN / GETTY IMAGES

Era um tumor no colo do útero, curiosamen-
te o mesmo que matara a primeira esposa de
Perón, Aurelia, em 1937 – o que tem levado à
hipótese de que o general teria transmitido a
ambas o vírus do HPV, hoje sabidamente um
fator de risco para esse tipo de câncer. A Evita
disseram-lhe que tinha uma “úlcera” no útero.
Mesmo emagrecendo a olhos vistos, ela também
se recusava a crer que estivesse doente. Acredi-
tava que era uma desculpa que lhe davam para
escanteá-la, logo quando sua força política só
fazia crescer. “Sua ideia de que aquilo era mais
uma conspiração para tirá-la da política foi sua
condenação à morte. Quando a doença eclodiu,
já era tarde demais”, escreveu Nelson Castro no
livro Los Últimos Días de Eva: Historia de un En-
gaño, que trouxe à tona fatos até há pouco tempo
ignorados, como a lobotomia que fizeram em
Evita na fase final da doença. Segundo o autor, o
corte de alguns nervos cranianos teria sido feito
para conter a agressividade da primeira-dama,
que, talvez ciente de que fosse morrer, teria acir-
rado sua beligerância nos últimos meses de vida


  • chegara inclusive a encomendar da Holanda
    5 mil pistolas e 1.500 metralhadoras para equipar
    um exército de sindicalistas na eventualidade de
    um golpe. Um golpe que Evita não viu.


A INSÓLITA SAGA DO CORPO
Em 1955, o corpo de Eva Perón – embalsamado
já havia três anos – jazia na sede da Confedera-
ção Geral do Trabalho (CGT), a maior central
sindical da Argentina, à espera do mausoléu que
seria erguido em sua honra: um monumento de
137 metros de altura (três vezes maior que o
Cristo Redentor), em que o sarcófago de Evita
descansaria sob os pés da estátua colossal de um
descamisado. O sepulcro nunca saiu do papel:
neste ano, os militares tomaram o poder e acha-
ram por bem sumir com o cadáver para evitar

que se tornasse objeto de culto peronista. Mor-
ta, Eva Perón era mais perigosa do que viva.
Cogitou-se cremá-la, lançá-la no Rio da Prata
e até dissolvê-la em ácido, mas Pedro Aramburu,
líder do golpe e católico devotado, insistiu em lhe
dar “sepultura cristã”. Em segredo, claro. Dois
meses após a tomada do poder, um comando
militar já invadia a sede da CGT para sequestrar
o corpo. Pedro Ara, o embalsamador, passara os
últimos três anos retocando o cadáver, a ponto
de fazer de Evita quase uma obra-prima da mu-
mificação: quem a viu, dizia que parecia dormir.
O sequestro ficou a cargo do coronel Carlos Ko-
enig, chefe do Serviço de Inteligência do Exérci-
to, que terminou por desenvolver uma espécie de
obsessão necrófila pelo corpo de Evita: durante
anos, conta-se que rodou com ela por toda Bue-
nos Aires, escondendo-a em lugares como a ca-
çamba de um furgão, os fundos de um cinema,
o sótão de uma casa e até mesmo seu escritório,
onde convidava pessoas a visitar o corpo.
Acredita-se que os peronistas seguiam o ca-
dáver à distância, pois era comum que, nas re-
dondezas dos esconderijos, aparecessem flores
e velas acendidas misteriosamente como forma
de demarcar o lugar onde a qualquer momento
poderia dar-se início a uma peregrinação. Cor-
re a lenda de que os militares chegaram a fazer
três cópias de cera do corpo de Eva Perón para
despistar os peronistas, tão perfeitas que a pró-
pria mãe da defunta teria se confundido.
Em 1957, temendo que os peronistas roubas-
sem o corpo, Pedro Aramburu ordenou que
Evita fosse enviada para fora da Argentina, em
uma complexa operação que teria envolvido até
o Vaticano. Os detalhes seguem obscuros, mas
sabe-se que Eva Perón deixou Buenos Aires sob
um nome falso com destino a Gênova, onde foi
recebida por uma freira que se encarregaria de
sepultá-la em um cemitério de Milão. Era uma
operação tão bem ajambrada que ninguém co-
nhecia todos os pormenores: nem a freira sabia
que estava enterrando Evita, nem o general
Aramburu sabia onde a haviam sepultado. Tan-
to que, em 1970, quando os montoneros, guer-
rilheiros peronistas de esquerda, sequestraram
o ex-ditador com o intuito de reaver o corpo,

POR MAIS DE 20 ANOS, SEU CORPO


VAGOU POR LUGARES INUSITADOS,


USADO ATÉ EM RITUAIS DE MAGIA


PERSONAGEM

Free download pdf