Aventuras na História - Edição 195 (2019-08)

(Antfer) #1
são militar se revelaria um salto em direção à
maior de todas as guerras da humanidade.
Mesmo antes da invasão do território aus-
tríaco, Hitler já desafiava a tolerância interna-
cional. Em 1935, divulgou abertamente o re-
armamento da Alemanha – um processo que
já ocorria de maneira secreta e informal desde
os tempos de Versalhes, mas que só se solidi-
ficou depois que os nazistas se tornaram a for-
ça dominante no país, em 1933. O envolvimen-
to das indústrias na produção de material
bélico foi, inclusive, um importante fator de
renascimento econômico depois da depressão
que causara desemprego e inflação incontro-
lável, após o crash de 1929. Com o rearmamen-
to, o país também retomava o alistamento
compulsório, uma afronta ao artigo 173 do
capítulo 3 do Tratado de Versalhes, que deter-
minava: “Será proibido na Alemanha todo o
serviço militar obrigatório. O exército alemão
só poderá se constituir por recrutamentos vo-
luntários”. A Inglaterra, a França e outros pa-
íses da Liga das Nações se pronunciaram con-
denando o rearmamento proibido, mas nada
fizeram além dessas declarações.
Assim como não tomaram nenhuma atitu-
de quando, no ano seguinte, Hitler violou o
chamado Pacto de Locarno ao estabelecer for-
ças militares na Renânia, uma região do lado
ocidental do país que fora desmilitarizada pelo
acordo, assinado em 1925. A “pacificação” do
local era estratégica para a Europa Ocidental:
a Renânia fica justamente na fronteira entre
Alemanha e França. Ao proibir os alemães de
erguer fortificações, estacionar tropas ou fazer
qualquer preparativo militar naquela margem
esquerda do Rio Reno, o acerto garantia que
os franceses não precisavam temer uma agres-
são direta dos vizinhos por aqueles lados. Re-

tomar a soberania da área, portanto, era um
ousado movimento do xadrez geopolítico do
Führer, que ouviu argumentos contrários à
ação de diversos conselheiros militares. Hitler,
no entanto, preferia sempre agir a esperar, ain-
da que isso fosse contar com a sorte. Ou me-
lhor, com a crença interior de que era um pre-
destinado, e que os rumos da história sempre
estariam a seu lado. Era, inclusive, apoiado
nessa fé pelos mais fanáticos entre seus apoia-
dores, como o ministro da Propaganda, Joseph
Goebbels, que escreveu na ocasião: “Chegou a
hora da ação. A sorte favorece os corajosos!
Quem não ousa nada não ganha nada”.
A França, apesar do risco envolvido, achou
que não valia a pena acabar com a paz mundial
por causa daquela região – e deixou por isso
mesmo. “Não havia, na década de 1930, um
político capaz de defender, na França ou na
Inglaterra, a necessidade de uma nova guerra
contra a Alemanha”, escreveu outro historiador
britânico, Eric Hobsbawm. Os franceses não
sabiam, mas estavam acionando o gatilho da
psique de Hitler que levaria, três anos mais tar-
de, aos eventos que precipitaram o início da
Segunda Guerra – que teria entre suas conse-
quências a ocupação do território francês pelos
nazistas. Muitos estudiosos concordam que a
“Crise da Renânia” afetou profundamente a
disposição de Adolf Hitler, que viu no sucesso
dessa ocupação um sinal de que era infalível. E
a euforia popular com a reocupação contribuiu
para esse sentimento. “Milhares de pessoas se
aglomeraram nas margens do Reno e lotaram
as ruas próximas à ponte”, conta Ian Kershaw
na biografia de Hitler. “Os soldados foram alvo
de uma recepção delirante ao atravessá-la. Mu-
lheres forraram o caminho com flores. Padres
católicos abençoaram-nos.”
O fato é que, à época, bastaria uma divisão
francesa para destruir a aventura dos alemães
que surgiram armados na fronteira – um risco
que o próprio Führer não ignorava. “Se os fran-
ceses tivessem então entrado na Renânia”, co-
mentaria o líder nazista, “teríamos de nos reti-
rar novamente com o rabo entre as pernas. A
força militar à nossa disposição não era sufi-

REARMAR A ALEMANHA


E RETOMAR O ALISTAMENTO


OBRIGATÓRIO FOI UMA AFRONTA


AO TRATADO DE VERSALHES


CAPA

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