National Geographic - Portugal - Edição 221 (2019-08)

(Antfer) #1

4 NATIONAL GEOGRAPHIC


A IDEIADEQUEOUTRORAexistirampopula-


ções “puras”deeuropeusancestrais, que
viviamdesdeo tempodosmamutes-lanudos,


já inspiravaosideólogosmuitoantes dos


nazis.Hámuitoqueestapercepçãoalimenta


ideias racistas e, nos últimos anos, tem fomen-
tado o receio do impacte dos imigrantes, um


receio que ameaça a União Europeia e abala a


política dos EUA. ¶ Agora, os cientistas estão
a dar novas respostas à seguinte pergunta:


quem são verdadeiramente os europeus e de


onde vieram? As suas conclusões sugerem


que o continente europeu tem sido um caldei-
rão de culturas desde a era glaciar. Os euro-


peus actuais são uma mistura variável de


linhagens ancestrais oriundas de África, do


Médio Oriente e da estepe russa. ¶ As provas
encontram-se em artefactos arqueológicos,


em análises de isótopos osteológicos e dentá-


rios e em estudos linguísticos. Acima de tudo,


porém, elas provêm do recente campo da
paleogenética. Na última década, foi possível


sequenciar o genoma completo de seres


humanos que viveram há dezenas de milha-
res de anos, pois um fragmento bem preser-


vado de esqueleto pode hoje ser sequenciado


por cerca de 440 euros.


O resultado está a transformar a
arqueologia. Só em 2018, foram ana-
lisados os genomas de mais de mil
seres humanos pré-históricos, na sua
maioria a partir de esqueletos pre-
servados em museus e laboratórios
arqueológicos. Ao longo do processo,
todas as teorias sobre a pureza gené-
tica europeia foram varridas por uma
maré de ossos pulverizados.
A análise dos genomas ancestrais
representa um conjunto de testes in-
dividuais de DNA conduzidos com
indivíduos que morreram muito an-
tes de os seres humanos inventarem
a escrita, a roda ou a cerâmica. Tudo,
desde a cor do cabelo e dos olhos à
intolerância à lactose, pode ser desco-
berto com menos de 40 miligramas de
osso ou dente. Os resultados revelam
pistas sobre a identidade e origem dos
antepassados humanos e, por conse-
guinte, sobre as migrações ancestrais.
Parece agora claro que a pré-his-
tória da Europa foi determinada por
três grandes movimentações de seres
humanos. Os imigrantes trouxeram a
agricultura e as cidades, o cavalo do-
mesticado e a roda. Introduziram as
línguas indo-europeias actualmente
faladas em grande parte do conti-
nente. E é possível que trouxessem
também a peste. Os últimos grandes
contributos para a composição genéti-
ca da Europa Ocidental e Central – os
últimos dos primeiros europeus, por
assim dizer – vieram da estepe russa
ao mesmo tempo que Stonehenge ga-
nhava forma, há quase cinco mil anos.
Foram eles que concluíram a tarefa.
Numa época de debates sobre mi-
grações e fronteiras, a ciência mos-
tra que a Europa é e sempre foi um
continente de imigrantes. “Os ha-
bitantes de um determinado local
não são descendentes das pessoas
que ali viveram no passado distan-
te”, afirma o paleogeneticista David
Reich, da Universidade de Harvard.
“Não há povos indígenas. Qualquer
indivíduo que aspire a encontrar pu-
reza racial será confrontado com o
absurdo do conceito.”

UM
MUNDO
EM
MOVIMENTO
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