National Geographic - Portugal - Edição 221 (2019-08)

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Há muito que se sabe com segurança que a
prática da agricultura na Europa é originária da
Turquia, ou do Levante, mas será que os agricul-
tores vieram do mesmo lugar? A resposta não é
evidente. Durante várias décadas, muitos arqueó-
logos pensaram que uma série de inovações – a
agricultura, mas também a cerâmica, os macha-
dos de pedra polida capazes de limpar florestas
e os povoados de estrutura complexa – teriam
sido trazidas para a Europa não por migrantes,
mas através do comércio e da transmissão oral do
conhecimento, de um vale para o seguinte, à me-
dida que os caçadores-recolectores já residentes
nos diferentes locais adoptavam novas ferramen-
tas e estilos de vida.
Contudo, as provas fornecidas pelo DNA de
Boncuklu ajudaram a mostrar que o contributo
da migração foi muito maior do que se pensava.
Os agricultores de Boncuklu conservavam os seus
mortos perto de si, enterrando-os em posição
fetal sob o solo das suas casas. A partir de 2014,
Douglas Baird começou a enviar amostras de
DNA extraído de fragmentos de crânios e dentes
de mais de uma dezena de sepulturas para labo-
ratórios de análise de DNA antigo na Suécia, na
Turquia, no Reino Unido e na Alemanha.
Depois de longos milénios de exposição ao calor
da planície de Konya, muitas amostras encontra-
vam-se demasiado degradadas para fornecerem
quantidades significativas de DNA. Foi então que
Johannes Krause e a sua equipa do Instituto Max
Planck de Ciência da História Humana, na Alema-
nha, testaram as amostras de meia dúzia de ossos
petrosos. A parte petrosa do temporal é uma área
minúscula do ouvido interno, pouco maior do que
a ponta do dedo mínimo e é também o osso mais
denso do corpo. Os investigadores descobriram
que este osso preserva informação genética muito
depois de o DNA útil ter sido eliminado no resto
do esqueleto. Essa constatação, juntamente com
melhores equipamentos de sequenciamento, aju-
dou a impulsionar os estudos de DNA ancestral.
Os ossos pétreos de Boncuklu deram frutos:
o DNA deles extraído era muito semelhante ao
de agricultores que viveram e morreram séculos
mais tarde e centenas de quilómetros a noroeste.
Isso significava que os primeiros agricultores da
Anatólia migraram, disseminando os seus genes
bem como o seu estilo de vida.
Ao longo dos séculos, os seus descendentes
avançaram ao longo do Danúbio, para além de
Lepenski Vir, alcançando as profundezes das
regiões centrais do continente. Outros viajaram


de navio pelo Mediterrâneo e colonizaram ilhas
como a Sardenha e a Sicília, instalando-se na Eu-
ropa Meridional, em lugares tão distantes como
Portugal. De Boncuklu à Grã-Bretanha, a assina-
tura genética anatólica encontra-se nos primeiros
sítios onde surgiu a prática da agricultura.
A maioria desses agricultores do Neolítico ti-
nha pele clara e olhos escuros, o oposto de muitos
caçadores-recolectores com quem agora viviam,
lado a lado. “Tinham um aspecto diferente, fa-
lavam idiomas diferentes... tinham regimes ali-
mentares diferentes”, diz o arqueólogo David
Anthony, de Hartwick College. “Na sua maioria,
mantiveram-se separados.”
Por toda a Europa, estes primeiros contactos
graduais não foram amigáveis e assim continua-
ram por vezes ao longo de séculos. Há poucas pro-
vas de que os grupos adoptassem as tradições ou
ferramentas uns dos outros. Mesmo quando duas
populações se misturavam, o casamento exogâ-
mico era raro. “Não há dúvida de que mantinham
contacto, mas não terá existido intercâmbio de
maridos ou esposas”, diz David Anthony. “Desa-
fiando todos os hábitos antropológicos, não exis-
tiriam relações sexuais entre grupos.” O medo do
outro tem uma longa história.

HÁ CERCA DE 5.400 ANOS, tudo mudou. Por toda a
Europa, os povoados neolíticos prósperos encolhe-
ram ou desapareceram. Há décadas que o declínio
dramático intriga arqueólogos. “Há menos mate-
riais, menos pessoas, menos sítios”, resume Johan-
nes Krause. “É difícil encontrar uma explicação,
sem a ocorrência de algum acontecimento impor-
tante”. No entanto, não há indícios de conflitos em
massa ou guerra.
A população parece ter voltado a crescer após
um hiato de 500 anos, mas a situação alterou-se
profundamente. No Sudeste da Europa, as aldeias
e os cemitérios igualitários do Neolítico foram
substituídos por imponentes montes de enterra-
mento, cobrindo um único homem adulto. Mais
a norte, da Rússia ao Reno, surgiu uma nova cul-
tura, conhecida como Cerâmica Cordada devido
à sua cerâmica, decorada com fio pressionado so-
bre barro molhado.
No Museu Estadual de Pré-História, em Halle,
na Alemanha, existem dezenas de sepulturas da
Cultura da Cerâmica Cordada, muitas das quais
resgatadas à pressa pelos arqueólogos antes de as
equipas de construção avançarem com obras.
As sepulturas desta cultura são de tal forma
reconhecíveis que os arqueólogos raramente
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