National Geographic - Portugal - Edição 221 (2019-08)

(Antfer) #1
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rais para se agarrar ao sargaço, era praticamente
invisível. Philippe Rouja, biólogo marinho das
Bermudas que nos ajudava a procurar criaturas
vivas entre as algas, depositou mais um peixi-
nho no balde. O peixe-sapo engoliu-o imediata-
mente com a sua grande boca.
Nessa noite, conversei com David Liittschwager,
enquanto ele fotografava a captura do dia. Num
molho de sargaço do tamanho de uma bola de
futebol, contámos 900 larvas minúsculas de pei-
xe, 30 anfípodes, 50 gastrópodes, quatro anémo-
nas, dois vermes-planos, seis caranguejos, 20 ca-
marões, sete nudibrânquios, mais de mil vermes
calcificadores e um número infindável de briozoá-
rios, pequenos copépodes e outros animais planc-
tónicos – quase demasiados para contar.
“A contagem conservadora é de cerca de três
mil criaturas visíveis a olho nu – bem, na verdade,


com os meus óculos graduados”, brincou o espan-
tado David, depois de completarmos o inventário.

OS ESFORÇOS DESENVOLVIDOS por Brian Lapointe
para explicar as virtudes do sargaço à opinião
pública foram perturbados pelos surtos da alga
no golfo, nas Caraíbas, no Brasil e até na África
Ocidental, sufocando habitats de mangue, recifes,
baías, enterrando praias (os tapetes impedem as
tartarugas recém-nascidas de chegar ao mar
aberto) e prejudicando o turismo.
“É um organismo admirável, mas, em quanti-
dades excessivas, torna a água anóxica e pútri-
da”, comentou o especialista.
Nos últimos anos, registaram-se afluxos de
sargaço em praias da Martinica e de Guadalu-
pe, acumulando-se em pilhas com mais de três
metros de altura. “Segundo me contaram, se
isto não parar, teremos de fechar hotéis”, disse
Brian. Em Trindade e noutras ilhas das Caraí-
bas, muitos residentes foram obrigados a eva-
cuar as suas casas devido ao gás tóxico libertado
pelas algas que apodrecem nas praias.
Ninguém sabe ao certo qual a razão para estes
surtos repentinos. Na opinião de Brian Lapointe,
as alterações climáticas podem estar a alterar as
correntes oceânicas, transportando o sargaço até
locais onde este raramente era visto. Outra hipó-
tese é a poeira rica em fósforo trazida do Saara
pelo vento, que costumava ser soprada até ao
outro lado do Atlântico: talvez ela esteja agora
a depositar-se no mar, desencadeando floresci-
mentos ao largo da costa. No entanto, o principal
culpado é, provavelmente, o aumento dos níveis
de azoto provocado pela agricultura industrial
no interior dos EUA. Os nutrientes afluem do sis-
tema do Mississípi até ao golfo, provocando um
crescimento desenfreado do sargaço.
“O sistema é demasiado complexo para ser
compreendido na sua totalidade, mas é isto que
parece estar a acontecer”, disse Lapointe. “Esta-
mos a monitorizar o azoto e ele vem do interior.”
Não preciso de fazer mais do que olhar pela
janela da minha casa, no Sul do estado de Connec-
ticut, para me lembrar que a interligação da natu-
reza não é apenas um lugar-comum tomado de
empréstimo à filosofia oriental. Nenhuma criatura
exemplifica melhor o holismo da natureza do que
as enguias de água doce. Elas vivem no lago em
frente de minha casa, mas adivinhe onde todas as
enguias americanas nasceram. Resposta: num
útero quente situado a alguns milhares de quiló-
metros de distância, chamado Mar dos Sargaços. j
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