ELIO GASPARI - De Getúlio Vargas para Bolsonaro
Banco Central do Brasil
Jornal O Globo/Nacional - Opinião
Wednesday, March 2, 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: ELIO GASPARI
Prezado presidente,
O senhor não gosta de mim, e a recíproca é verdadeira.
Escrevo-lhe para sugerir alguma cautela diante da
guerra europeia. Pretendo ater-me aos cuidados que
tive entre agosto e setembro de 1941, quando a tropa
alemã entrou em Kiev. Como o senhor sabe, Hitler
invadiu a Rússia em junho num ataque fulminante e, em
agosto, estava nas proximidades da capital da Ucrânia,
a caminho de Moscou. Foi uma guerra diferente na
forma e no conteúdo, mas vou lhe contar o que
acontecia no Palácio do Catete e outras coisas que eu
só soube quando vim para cá.
A invasão da Rússia já tinha data marcada quando o
presidente americano Franklin Roosevelt mandou ao
Rio um escultor para fazer meu busto. Dois dos meus
conselheiros, os generais Dutra (ministro da Guerra) e
Góes Monteiro (chefe do Estado-Maior) achavam que a
máquina alemã seria invencível na Rússia.
Nenhum de nós sabia que o secretário da Guerra,
Henry Stimson, estava de olho no Brasil. Três dias
antes da invasão da Rússia, ele escreveu ao presidente,
temendo que os alemães pulassem do Norte da África
sobre o nosso território. (A menor distância para
atravessar o Atlântico Sul vai da costa africana ao
Saliente Nordestino. ) Lembro-lhe que os Estados
Unidos não haviam entrado na Guerra, mas queriam
'salvar o Brasil'. Como? Instalando uma base no
Nordeste.
Eu mandava sinais aos dois lados. Quando falei nos
riscos do 'capitalismo financeiro cosmopolita', o
embaixador americano assustou-se. O alemão
acreditava que o Brasil estava afastado dos Estados
Unidos. Muita gente supunha que os russos estavam
perdidos, imagine que chegaram a tirar a múmia do
Lênin de Moscou.
Os americanos mandaram para cá um coronel que
reclamava do Dutra e do Góes. Os alemães talvez
soubessem de alguma coisa, porque viram o Churchill
no Rio Grande do Norte. Parolagem.
Na bolha do Palácio do Catete, tudo ia bem. Minha
mulher deu uma linda festa no Theatro Municipal, e a
Academia Brasileira de Letras elegeu-me para a cadeira
que tem como patrono o Tomás Antônio Gonzaga. À
favor dos americanos, ouvia-se, exaltado, o chanceler
Osvaldo Aranha, que investiu contra o Góes e o Dutra.
Isso no dia em que começou a batalha de Kiev.
E eu equilibrando-me. Os americanos mandaram para
cá até o Walt Disney. Queriam nos ensaboar.
No fim de setembro, os alemães entraram em Kiev. Eu
me aborrecia com a insistência dos americanos para
construir bases aéreas e navais no Brasil, mas, desde o
primeiro momento, alinhei-me com Roosevelt. Não me
passava pela cabeça ficar contra os Estados Unidos,
mas eles não estavam na guerra.
Eu não sabia, mas podia intuir, que os americanos
planejavam um desembarque em Natal. Também podia