Vacinação em zonas de conflito
Banco Central do Brasil
Jornal Folha de S. Paulo/Nacional - Saúde
Wednesday, March 2, 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: Esper Kallás
A poliomielite, causada por um vírus de transmissão
oral, sempre foi reconhecida como uma doença
catastrófica, que afeta principalmente as crianças, com
paralisia e morte. Hoje é mais uma história em grande
parte do mundo, mas ainda uma ameaça.
Já temos todas as ferramentas para erradicar a doença,
entre elas, duas ótimas vacinas. Conhecidas como salk
e sabin, são fáceis de serem produzidas e aplicadas,
principalmente a sabin. Esta vacina oral inspirou a
adoção do personagem Zé Gotinha, marca registrada
das campanhas de vacinação pelo Brasil.
Por que, então, ainda não foi erradicada? Sua
transmissão ainda é perene (epidemiologistas usamo
termo endêmica) somente no Paquistão e no
Afeganistão, especialmente ao redor da fronteira entre
os dois países, que sofre com conflitos há muito tempo.
Casos isolados ou surtos ocorrem também em vários
países da África, além de Têmen, Tadjiquistão e
Ucrânia.
Embora a pobreza e a falta de estrutura tenham impacto
significativo na transmissão, chama a a atenção a
superposição das regiões de conflito com os locais onde
ainda ocorrem os casos da doença.
Outro exemplo é o cólera, causado por bactéria
transmitida pela água ou alimentos contaminados,
considerado um barômetro para detectar condições
precárias de saneamento. É o que aconteceu na síria,
onde a doença matou principalmente crianças de
regiões envolvidas na guerra civil, com a maioria dos
casos no meio da década passada.
Ações pontuais também tiveram grande repercussão,
como na caçada a Bin Laden.
Agentes disfarçados de profissionais de saúde
coletaram amostras de DNA de bebês no leste do
Paquistão, durante campanha de vacinação para
hepatite B, a fim de localizar parentes de Bin Laden,
baseando se no DNA de sua irmã falecida nos EUA.
Isso provocou retaliações contra profissionais de saúde
locais com aumento de hesitação e desconfiança à
vacinação, com queda significativa da adesão às
imunizações.
Em 2016, o Conselho de Segurança da ONU aprovou
por unanimidade a proteção aos serviços de saúde em
áreas de conflitos como uma lei humanitária, cujo
desrespeito pode ser definido como crime. 'Mesmo as
guerras precisam seguir regras'; lembrou o então
secretário-geral, Ban Ki-moon.
O que acontecerá com a Covid-19 com a guerra na
Ucrânia? O caos terá consequências devastadoras para
o sistema de saúde, com provável paralisação das
vacinações. Quando correr para salvar suas vidas é a
única opção, todas as outras medidas restritivas, como
o uso de máscaras e distanciamento social, passam a
ser praticamente impossíveis, frente às necessidades
básicas da imensa massa migratória.
Campos de refugiados devem ser focos de transmissão,