Loterias estaduais: estão brincando com a sorte?
Banco Central do Brasil
Jornal Folha de S. Paulo/Nacional - Tendência e Debates
Wednesday, March 2, 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: Gustavo Guimarães
Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal
permitiu aos estados iniciarem ou ampliarem em seus
territórios a exploração de serviços lotéricos -abrindo
oportunidades para alavancarem novas receitas. Essa
oportunidade só será bem aproveitada se seguir as
melhores boas práticas internacionais.
Segundo a lei, o montante arrecadado (R) por uma
loteria é dividido em três partes: premiação (P); tributos
(T); e remuneração da empresa operadora (O) -de tal
forma que R = P + T + O. O governo se beneficia dos
bons resultados, pois sua parte "T" cresce quando "R"
cresce. Assim, lhe interessa a boa performance dos
produtos lotéricos.
A arrecadação de loterias no Brasil gira em torno de
0,2% do PIB, em média, enquanto em países similares
chega a 1%. Há grande potencial de aumento de
receitas. O estado de São Paulo pode arrecadar
anualmente até R$ 2,5 bilhões adicionais.
Porém, nem São Paulo nem os demais estados que já
iniciaram processos de implementação ou atualização
do marco legal, como Maranhão, Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Distrito Federal, estão seguindo as melhores
práticas internacionais.
Na Europa, nos EUA e no governo federal (lei
13.756/2018), a distribuição do arrecadado (R) é
definida em lei. No mínimo, deveriam definir a
participação percentual do governo. Essa prática é
essencial para a segurança jurídica do operador (ao
planejar os investimentos), importante para o apostador
conhecer previamente o retorno esperado e, sobretudo,
fundamental ao governo para dar previsibilidade à
receita que financiará suas políticas públicas. Ocorre
que os estados estão propondo suas leis de forma que
caberá aos governos definirem, a posteriori, a
participação (%) de cada parte.
A título de exemplo, a lei 17.386/2021 de São Paulo, no
que se refere a loterias, é lacônica: "Fica o Poder
Executivo autorizado a instituir e explorar, [...] a Loteria
Estadual de São Paulo, devendo utilizar o resultado
líquido obtido no custeio de ações voltadas à
assistência social e à redução da vulnerabilidade social
no Estado". Esses "cheques em branco" ao Executivo
estadual podem ser inconstitucionais pelo fato de o
percentual "T" ser considerado alíquota de tributo (ainda
que voluntário). Mesmo a decisão do STF é clara ao
garantir aos estados explorar loterias, desde que
"observada a competência privativa da União para
legislar sobre o tema".
Para essas leis estaduais serem viáveis, teriam que, via
regulamento infralegal, manter exatamente os
percentuais da lei federal. Porém, fosse esse o
caminho, bastaria replicar tais percentuais na legislação
estadual, mas não é isso que tem ocorrido nos estados
que já apresentaram seus modelos.
A ausência de parâmetros legais e a discricionariedade
dos Executivos estaduais para definir os percentuais de
participação de cada parte por decreto ou portaria, além
de prejudicar a previsibilidade, transparência e