Cláudia - Edição 695 (2019-08)

(Antfer) #1

108 claudia.com.br agosto 2019


Saúde


Embora esteja presente no Código
Internacional de Doenças (CID) há 50
anos, a encefalomielite miálgica só
ganhou a alcunha de SFC – e definições
mais claras – a partir de 1988. Um
trabalho de revisão publicado em The
Lancet, uma das principais revistas
médicas do mundo, utilizou dados
americanos e concluiu que entre 0,2%
e 0,4% da população adulta é afetada
pela síndrome – sendo o número de
mulheres quatro vezes maior que o
de homens.
Como várias doenças podem cau-
sar cansaço extremo, o diagnóstico é
um desafio. Geralmente, a síndrome
aparece após uma gripe ou infecção
banal. “A pessoa deve suspeitar se
estiver sentindo falta de energia
intensa e constante há pelo menos
seis meses”, alerta o reumatologista
Roberto Heymann, professor da Uni-
versidade Federal de São Paulo. Outro
sinal é não entender de onde vem o
cansaço. “A falta de causa aparente
é importante, pois, se houver outros
motivos, o diagnóstico de SFC deve
ser desconsiderado”, avisa ele.
A fadiga crônica também costuma
ser confundida com a fibromialgia, que,
embora tenha sintomas e tratamento
semelhantes, é caracterizada por dor
física mais intensa. “Na SFC, o principal
é a fadiga”, esclarece a clínica geral e
reumatologista Liz Ribeiro Wallim,
professora da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Com o passar
dos meses, a doença pode progredir
e se tornar incapacitante, afetando
não só a qualidade de vida e o ren-
dimento no trabalho mas até mesmo
o relacionamento com a família. “É
uma condição que gera preconceito,
pois tem indícios parecidos com o
comportamento de preguiçosos”, la-
menta Joyce. Os parentes dela nunca
tinham passado por algo semelhante

e, embora seu abatimento fosse nítido,
no começo eles não acreditavam que
o cansaço fosse verdadeiro. “As pes-
soas tendem a dizer que é vontade de
chamar a atenção. Mas o sofrimento
é real, não tem nada de frescura ou
invenção”, alerta Liz.
O fato de as causas ainda não
terem sido totalmente esclarecidas
colabora para a confusão. Não se sabe,
por exemplo, porque acomete mais
mulheres. “Acredita-se que existam
fatores hormonais, culturais e sociais
associados”, diz Roberto. Alguns estu-
dos também têm sugerido influência
genética, mas fatores ambientais
podem ser igualmente importantes.
“Hoje se sabe que afeta mais indiví-
duos que sofreram traumas, abusos
e negligência na infância”, afirma o
psiquiatra Mario Francisco Juruena,
professor do King’s College de Lon-
dres, um dos centros de excelência
no estudo da SFC.
Vítima da SFC, a psicóloga britânica
Kristina Downing-Orr transformou
a busca pela cura em um mantra. “Eu
me recuso”, ela repetia quando não
tinha energia para ficar em pé por
nove segundos antes de cair prostrada.
Durante os dois anos em que sofreu
com a condição, após duas viroses,
Kristina juntou as poucas forças que lhe

restavam para ler pesquisas, peregrinar
por médicos e testar tratamentos. Sua
batalha resultou no livro Vencendo a
Fadiga Crônica (Summus, 2011). Nele,
a psicóloga conta como conseguiu se
levantar com uma combinação de
terapia cognitivo-comportamental,
exercícios, dieta e medicação.
O tratamento exige dedicação
total nos primeiros meses. Segundo o
psiquiatra Mario, demanda a integra-
ção dos quatro sistemas: psicológico,
neurológico, imune e endócrino. Isto é,
ajuda o paciente com uma abordagem
que associa mente (nossos pensamentos
e emoções), interações neuroquímicas
do cérebro, hormônios e células de
defesa. “A compreensão dos quadros
de fadiga e depressão relacionada a
eles e suas influências hormonais e no
eixo que regula as reações ao estresse
é fundamental para entender e tratar
a SFC”, explica. Estudos recentes re-
velam que as pessoas mais afetadas
pela doença têm taxas reduzidas de
cortisol no sangue. Em excesso, esse
hormônio ligado ao estresse causa
estragos na imunidade, mas níveis
muito baixos deixam o indivíduo pros-
trado e letárgico. Publicado na revista
britânica Nature em 2012, um caso
mostra que a reposição hormonal e a
administração de psicotrópicos podem

50 %


dos pacientes com síndrome da fadiga crônica
conseguem voltar ao trabalho. A doença atinge

quatro vezes mais mulheres do que homens

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