Cláudia - Edição 695 (2019-08)

(Antfer) #1

112 claudia.com.br agosto 2019


As crianças com


epidermólise bolhosa são
chamadas de borboletas,

pois são tão delicadas


quanto as asas desse inseto,


que se rompem facilmente


para mamar no peito, mas ela não conseguia porque não
tinha pele mucosa na boca. Ninguém fazia a menor ideia
de qual era o problema da minha filha.
A primeira suspeita que surgiu foi de aplasia cutânea,
caracterizada pela ausência de uma parte da pele ao nascer.
Nesse caso, com tratamento, tudo volta ao normal. Mas
algo dentro de mim dizia que era mais grave. E eu tinha
razão. Descartaram a aplasia e enviaram um pedaço da
pele de Maju para análise na Universidade de São Paulo.
Depois de 45 dias a biópsia indicou que o diagnóstico era
epidermólise bolhosa distrófica recessiva de grau 3, uma
das mais severas. Maju ficou internada todo esse tempo, sob
cuidado intenso por causa do risco de infecção na perna.
No seu terceiro dia de vida, um pediatra da Universidade
Federal de Minhas Gerais nos viu no hospital e me disse:
“Se você quiser sua filha viva, corra com ela para Belo
Horizonte. Aqui ela não vai sobreviver”.
Providenciamos a transferência para o Hospital das
Clínicas de Belo Horizonte, onde ficamos internadas na
área de isolamento. As bolhas começaram a aparecer. Todo
cuidado era pouco. Assim como fiz com o autismo, passei a
pesquisar a doença em busca do melhor para minha filha.
Muito pouco se sabia sobre epidermólise bolhosa no Brasil.
Havia o registro de uns 700 casos – imagino que muitos bebês
morreram sem que se soubesse o que realmente tinham.
Descobri um médico italiano que havia feito o primeiro
transplante de pele do mundo para tratar a epidermólise
bolhosa, mas de um grau menos severo que o de Maju.
Soube que ele participaria de um congresso na Itália onde
falaria sobre o transplante e não pensei duas vezes. Juntei
dinheiro e atravessei o oceano para falar com ele. Ao final da
palestra, quando ele saiu da sala, eu o abordei pelo braço e
disse: “Sou mãe de uma bebê que tem epidermólise bolhosa.
O senhor pode, por favor, me escutar?”. Duas brasileiras
que moram na Itália estavam comigo para me ajudar com a

tradução do idioma. Ele foi muito atencioso e explicou que
no caso de Maju o transplante de pele não era indicado,
pois ela tinha lesões internas também, e elas não seriam
resolvidas. Não desanimei. Voltando para o Brasil, conversei
com o doutor Luís Mantovani, o primeiro médico a fazer
transplante experimental de medula óssea em uma criança
com epidermólise bolhosa. O procedimento havia sido em
2017 no Hospital Albert Einstein, sob a tutela do médico
Nelson Hamerschlak, uma das principais autoridades na
área. O transplante de medula não cura a doença, mas tem
o potencial de reduzir em 80% o aparecimento de novas
lesões e acelerar a cicatrização das já existentes. Apresentei
o caso de Maria Julia e começamos um acompanhamento
no Itaci, hospital público infantil ligado ao Hospital das
Clínicas, em São Paulo. Por ser experimental, o transplante
não poderia ser feito naquele momento. Recorri mais uma
vez ao doutor Nelson, dessa vez no Einstein. Após avaliar
Maria Julia, ele disse que ela tinha indicação para o pro-
cedimento, mas que os protocolos de pesquisa financiados
pelo SUS estavam suspensos. Soube então que existe
um grupo em Minnesota, nos Estados Unidos, que faz o
transplante de medula para epidermólise há algum tempo
com sucesso. Entrei em contato e pedi um orçamento. Só
o transplante ficaria em torno de 4 milhões de reais, fora
o tempo de internação, consultas e outros gastos. Não me
abalei com o valor e lancei campanhas de arrecadação de
dinheiro para ajudar a minha filha. Conseguimos juntar
mais de 150 mil reais – o suficiente para pagarmos as con-
sultas e exames, mas o visto de Maria Julia foi negado. A
cada não recebido, a cada obstáculo que aparecia, eu me
desesperava, mas nunca pensei em desistir. Fui atrás de
corrigir a documentação de Maju para tentar novamente
o visto para os Estados Unidos. Quando finalmente veio a
aprovação, recebi uma ligação do doutor Nelson dizendo
que o transplante de Maju estava liberado para ser feito
no Einstein. Quase não acreditei. Iríamos tratar da saúde
da minha filha no Brasil, sem ter que me afastar de Pedro
por muito tempo. E melhor do que isso, o hospital havia
localizado um doador 100% compatível, algo bastante raro.
Demos entrada no Einstein no dia 10 de junho. Quando
recebi os papéis para assinar a autorização do transplante
e afirmar que eu conhecia os riscos, quase desisti. Afinal,
estaria submetendo minha filha a um tratamento expe-
rimental. Pedi uns dias para pensar melhor. E se desse
errado? Como sou devota de Nossa Senhora Aparecida,
rezei para que ela me iluminasse e me ajudasse. Conversei
com amigos e familiares. Chorei. Decidi autorizar. Maria

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