Cláudia - Edição 695 (2019-08)

(Antfer) #1

Perfil


Somos humanos.


A não ser os megalomaníacos


que estão no poder


agora, todos duvidamos


de nós mesmos e


queremos ser aceitos


BRAD PITT

No filme atual, interpretam amigos inseparáveis.
Rick Dalton (Leonardo) é um astro de televisão deca-
dente em uma indústria em transformação – é 1969,
e a velha Hollywood dos estúdios está sendo substitu-
ída pelo sangue novo em filmes como Sem Destino e
Uma Rajada de Balas, abrindo caminho para Martin
Scorsese e Steven Spielberg, entre outros. Se Dalton
está tendo dificuldades para sobreviver nesse merca-
do, está pior ainda para seu dublê, Cliff Booth (Brad).
Os dois observam de longe a vida glamourosa do casal
do momento, que vive na casa vizinha a Rick, o diretor
Roman Polanski, de O Bebê de Rosemary, e sua mulher,
a atriz Sharon Tate, interpretada por Margot Robbie.
“Quentin Tarantino é um grande historiador da indús-
tria”, diz Leo. “E ele usa a perspectiva desses dois caras
que estão olhando de fora para dentro o nascimento
desse período de ouro, que Tarantino reverencia. Rick e
Cliff são relíquias do passado. O mundo está mudando,
e eles não se encaixam mais nele.”
A jornada de Rick Dalton e Cliff Booth se diferen-
cia muito da de Leonardo DiCaprio e Brad Pitt, que
estão há mais de 20 anos no topo. Eles sabem, porém,
que tudo pode mudar a qualquer momento. “É uma
montanha-russa”, afirma Leonardo. “Mas para mim
sempre foi uma corrida de longa distância. Sou muito
grato pelas oportunidades que tive e tento aproveitar
o máximo que posso.” Pitt diz ter consciência de que
existe uma data de validade para um ator. “E isso nos
faz agradecer o que tivemos até agora. Com o tempo,
nossa carreira vai se transformar em algo diferente,
como foi com Anthony Hopkins e Gene Hackman.”
Leonardo acrescenta que o roteiro lhe trouxe a ideia de
outro tipo de fim também: “Eles estão lidando com a
própria mortalidade de várias maneiras e aceitando-a,
o que é interessante”.
Ter uma longa vida em Hollywood é para poucos. “Eu
cresci com outros atores, com quem fazia testes desde os
13 anos”, conta Leo, cuja turma constante incluía Tobey
Maguire e Lukas Haas. “Conheço bem as dificuldades
e inseguranças pelas quais as pessoas passam nessa
indústria.” E emenda brincando que seu segredo para
a longevidade são bons hidratantes. “Na verdade, acho
que tanto Brad quanto eu nos desafiamos, procuramos
filmes que tinham potencial de ser grandes obras de
arte”, analisa. O que não os impede de ter também seus
momentos de dúvida, lógico. “Somos humanos. A não

ser os megalomaníacos que estão no poder agora, to-
dos duvidamos de nós mesmos e queremos ser aceitos”,
completa Brad.

PAIXÃO PELA HISTÓRIA
Era uma Vez em... Hollywood passou por um longo pe-
ríodo de gestação; foram quase seis anos. “Normalmen-
te, deixo meus projetos na incubadora e vou trabalhando
neles aos poucos. Alguns morrem pelo caminho, mas
outros, de repente, ficam prontos”, explica Tarantino. O
cineasta confessa que precisou evitar ser “contaminado”
por temas atuais da sociedade, como a pressão por papéis
de destaque femininos ou as críticas por fazer um filme
que tem como personagem Roman Polanski, condenado
por estupro de menor nos Estados Unidos. “Meu papel
é ignorar tudo isso”, diz Tarantino, firme em sua visão.
“Pode ser que reclamem, que ridicularizem, mas tudo
bem. Até porque o que se pensa hoje não é para sempre.
Mas, com sorte, o trabalho é eterno. O filme pode ser vis-
to agora de uma maneira e, daqui a 20 anos, de outra.”
Para esse feito, ajuda um bocado que o diretor não esteja
nas redes sociais. “Não tenho Facebook nem Twitter. Não
procuro notícias com meu nome. Se eu não me envolvo,
não significa nada. Não me causa dor.”
Tarantino é apaixonado por história e, muitas vezes,
em seus filmes, reescreve o passado amargo, como em
Bastardos Inglórios (2009), dando fim aos nazistas,
ou em Django Livre (2012), aos escravocratas. O novo
longa do americano de 56 anos é uma ponte para uma
América que não existe mais. Não só porque o cinema
a partir dali seria dominado por propostas e ideias di-
ferentes mas também porque, em 9 de agosto de 1969,
Sharon Tate, grávida de 8 meses, seria assassinada

86 claudia.com.br agosto 2019

Free download pdf