Cláudia - Edição 695 (2019-08)

(Antfer) #1

96 claudia.com.br agosto 2019


Reportagem


e assédio já na adolescência e na fase adulta. A streamer
Gabi Catuzzo, 22 anos, perdeu o patrocínio da Razer, fabri-
cante de periféricos (mouses, teclados, joysticks, placas de
vídeo e processadores), depois de reagir a um comentário
machista no Twitter. Em junho, ela postou uma foto dela
em um touro mecânico e um usuário comentou: “Pode
montar em mim à vontade”. Gabi ficou irritada com a
insinuação e rebateu: “Sempre vai ter um macho fodido
para falar merda e sexualizar uma mulher, até quando a
mulher está fazendo uma piada, né? É por isso que ho-
mem é lixo”. A influenciadora chegou a se desculpar, mas
não adiantou. Além de ser alvo de xingamentos dos mais
diversos, haters a ameaçaram de morte. Procurada pela
reportagem, a Razer não deu entrevista. “As pessoas não
podem enxergar esse caso como isolado”, pontua a psicóloga
Isadora, a Kyla. “Eu quase desisti de jogar várias vezes por
causa de situações desse tipo. Durante meu primeiro ano
de League of Legends, usei um apelido neutro e escrevia
no chat como se fosse homem. Os outros participantes me
tratavam como brother. Foi só assumir meu perfil feminino
que as coisas mudaram radicalmente. Passei a ser xingada
e assediada.” Isadora é uma das administradoras de uma
comunidade no Facebook de 6 mil membros chamada
Guardiãs de Runeterra, em referência ao mundo fictício
onde se desenrola LoL. A página foi criada porque mu-
lheres costumavam ser rechaçadas por homens na maior
comunidade do jogo na rede social.
Para a paulistana Karina “Kaah” Mamede Takahashi, 23
anos, pro player da equipe de CS:GO da Vivo Keyd, Razer
deveria ter abraçado a causa e debatido os ataques às mu-
lheres, tão comuns entre os gamers. “Gabi errou por ter sido
bastante agressiva, mas pediu desculpas. Ela generalizou ao
falar dos homens, mas generalizar é falar da maioria. E nisso
ela não estava errada”, diz. “Antes de saber que eu poderia
ser uma jogadora profissional, usava nome de música e emoji
como nickname porque o fato de eu ser mulher seria motivo
para eles me xingarem e me humilharem. Já aconteceu de

curso A Nova Arena de Negócios, da Fundação Instituto
de Administração (FIA), voltado aos e-Sports (ou esportes
eletrônicos). “E a tendência é de crescimento. A gigante
Google, por exemplo, prometeu lançar ainda este ano no
exterior uma plataforma de jogos por streaming”, acrescenta.
De acordo com a consultoria Newzoo, o Brasil fechará
2019 como o segundo país da América Latina em receita no
setor de games: 1,6 bilhão de dólares. Perderá apenas para o
México. Em outra ponta, uma avaliação feita pela Forbes em
outubro do ano passado mostrou que a americana Cloud9
era a maior empresa de e-Sports do mundo, valendo 310
milhões de dólares. Nesse cenário de cifras vultosas e em
expansão, a indústria dos games trouxe não apenas mais
possibilidades de diversão mas também de retorno financeiro.
Jovens aficionados por jogos passaram a ser profissionais de
e-Sports, se tornaram os pro players. Outros aproveitaram
a habilidade no vídeo e viraram influenciadores digitais.
Embora os ganhos não sejam revelados, calcula-se que a
média salarial de um pro player de League of Legends nos
Estados Unidos gire em torno de 300 mil dólares por ano


  • ou mais de 1,1 milhão de reais. Por aqui, cyber atletas de
    Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO), como Gabriel
    “FalleN” Toledo e Marcelo “coldzera” David, já faturaram
    mais do que isso só em premiações.
    Embora a presença feminina venha crescendo nesse
    universo, assim como em outras áreas a disparidade salarial
    é imensa. Isso porque as atletas não recebem investimentos
    e patrocínios equivalentes aos homens e as competições
    femininas, mais incipientes, não têm a mesma visibilidade.
    Em tese, as mulheres podem atuar nas ligas regulares, em
    times mistos. Mas, na prática, elas são raridade. A paulistana
    Gabriela “Gabs” Freindorfer, 22 anos, pro player de CS:GO
    da Vivo Keyd (grupo gamer da empresa telefônica), calcula
    que rapazes com o mesmo desempenho que o dela no jogo
    ganham cerca de 80% mais. “A preparação dos atletas
    também é diferente. Uns 90% dos times masculinos têm
    Gaming House. Mas nenhum feminino tem. A gente pre-
    cisa lidar com milhares de distrações, enquanto eles ficam
    focados”, afirma. Gaming House é uma casa que funciona
    como uma espécie de concentração, onde os esportistas
    treinam juntos e, muitas vezes, moram.
    As barreiras que as meninas têm de transpor para se
    tornarem atletas profissionais, streamers – aquelas pessoas
    que transmitem as partidas via internet – ou mesmo para
    se divertirem sem compromisso, em geral, vêm da infância.
    Desde menor exposição ao jogo por ser considerado um
    brinquedo de menino a situações de violência de gênero


“Faço questão de deixar claro quem


sou. Muita gente me xinga, fica


me chamando de traveco. Hoje


sei que o que fazem é crime”
AMANDA GUIMARÃES BORGES, A MANDY CANDY,
STREAMER TRANSEXUAL
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