Rodovia Europeia E47, Copenhague–Helsingør – 21h46
- Pode ser que tenhamos seguido a pessoa errada – disse David. Como de
costume, estava ao volante, uma rotina em que se sentiam à vontade desde os
tempos do Iraque. - Não, era ela mesma – respondeu Marcus, e se lembrou da mão.
Não tinha voltado a pensar na mordida desde que haviam saído da casa. Tinha
pensando nela, na jornalista, nos livros que viu no porão. Jornalismo investigativo.
Pensou na genitália de Eva, em que ele tinha passado a mão. Nunca antes tinha
feito coisa assim. Nunca. Aquela mulher tinha algo, algo que ele não entendia.
Tirou a luva. Estava encharcada de sangue. Ele tinha merecido, pensou. Não por ter
amarrado Eva; de fato, podia até ter-lhe tirado a vida que não se sentiria tão mal
quanto se sentia por aquilo, por ter-lhe tocado o sexo quente com o dedo. Por quê?
Porque isso tinha sido pouco profissional. Levantou com cuidado a tira de fita
adesiva. O sangue começou a correr. Por um instante, foi como se o sangue dela lhe
saísse da mão, sangue proveniente do interior de Eva, como se ela estivesse dentro
de Marcus. Ele ainda conseguia lembrar o odor da pele de Eva. - Não parece que a fita vá estancar a hemorragia – disse David.
- Vamos para a sua casa. Lá você me costura.
- Não sou bom nisso. Que tal o pronto-socorro?
- Não importa se você é bom. Eu mesmo faço então. Não vamos para o hospital.
- Mas lá dá para dizer que foi só mordida de cachorro, não?