caixão. Duas flechas? Sim, das que se atiram com arco. O penúltimo deixou ali
duas, e aquela munição de antigamente fez um ruído retumbante contra a tampa
escura do caixão. Assim como os outros homens, esse penúltimo dirigiu um
discreto gesto de cabeça a Helena e à família sentada na primeira fileira, um gesto
de respeito. Respeito ao morto. Seria alguma espécie de homenagem? O que
significava? Eram amigos em algum clube de tiro? Absurdo. Nenhum deles parecia
amigo de ninguém. Todos pareciam ser homens do tipo que já passou do estágio de
precisar de amigos e colegas, do tipo que tinha resolvido carregar nos ombros todo
o peso do mundo e do futuro. O último depositou suas flechas. Helena desviou o
olhar quando ele se inclinou para a família, como se ela não estivesse disposta a
aceitar seus respeitos, como se os repelisse. E aí Eva viu a mão do homem, com um
curativo branco e simples. Por que Eva não desviou o olhar? Por que ficou olhando
fixamente para ele? Mesmo quando o homem ergueu os olhos e encarou Eva.
Eva se afastou e sentou atrás do corrimão. “Tenho que sair daqui”, pensou.
“Agora.” O organista atacou novamente, aquele espetáculo esquisito tinha
terminado, e lá embaixo tinham voltado a um serviço fúnebre dinamarquês regular.
Eva não via o homem em nenhuma parte. Um ruído às suas costas. “Ele está aqui
em cima.” Uma rápida olhada ao redor. O pânico se propagou pelo corpo de Eva
como um vírus. Ela viu o homem subir a escada e começou a correr. Ninguém
ouviria seus passos; tanto o órgão quanto o coro abafavam os outros sons. Eva
poderia ter gritado, que ninguém a ouviria. Até o outro lado. Mas por onde? A
porta do canto. Debaixo do relógio – mal teve tempo de ver a imagem de um
homem que matava um dragão –, havia uma porta estreita de madeira pintada de
preto. Olhou para trás ao mesmo tempo que abria de um puxão a porta. O homem
estava a poucos metros de Eva. Ela fechou a porta. A mão do homem se agarrou à
beirada da porta; Eva tinha as duas mãos na porta, e ele, apenas a ponta dos dedos;
ainda assim, o homem conseguiu abrir. Eva soltou a porta e quis continuar
correndo, mas o homem a agarrou por um dos pés. Tentou arrastá-la para fora.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1