A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

Era a primeira lição do manual: entrar quando as ruas estiverem vazias, cortar a
luz, criar confusão generalizada. Os cidadãos, assustados, estariam ocupados
chamando a polícia; num mundo que eles dão por resolvido, o menor dos
contratempos desencadeia uma onda social de alarme.



  • Vou cortar a força – disse Trane no fone.

  • OK.
    Passaram-se alguns minutos. Acabou a luz na área ao redor do hotel, momento
    em que o alarme começou a piscar na operadora nacional de eletricidade, a
    Energinet. Os técnicos já tinham sido acionados, já tinham embarcado no furgão
    da empresa e se mantinham em contato permanente com o diretor de operações. A
    rede elétrica dinamarquesa é das mais confiáveis do mundo; a maior parte das
    avarias se resolve em minutos. A sabotagem que Trane tinha feito na rede local
    levaria não mais que meia hora para sanar; provavelmente só uns quinze minutos.
    Marcus, porém, esperou. Antes de entrar em ação, precisava dar tempo para que o
    pânico se alastrasse. “Seria preciso lembrar mais vezes os cidadãos de que eles não
    podem achar que o paraíso é permanente”, pensou; de que tudo pode desaparecer
    em questão de segundos; de que bastam pouquíssimos dias para o comércio ficar
    sem comida, a eletricidade acabar, os hospitais fecharem e todo mundo ver-se
    obrigado a viver como na África, numa sociedade violenta, num país onde a
    sobrevivência se torna cada um por si. Naquele instante, estavam vivenciando uma
    pequena prévia disso. As mulheres acordariam os maridos para dizer: “Acabou a
    luz!” E agora? O que aconteceria com a comida no refrigerador e no freezer, com os
    computadores que ninguém conseguia ligar? De repente, tinham uma pequena
    ideia de como era realmente o mundo descrito por Darwin – brutal, desapiedado.

  • Você está aí, chefe?

  • Vou esperar mais um minuto – respondeu Marcus.

  • OK.
    Marcus olhou para a rua. Numa janela, alguém tinha acendido umas velas. Logo,

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