tinha nada. Eva não tinha nada. A ideia nasceu do frio e logo se fixou, como uma
corda salvadora a que Eva se aferrou desesperadamente. A única coisa que tinha, seu
único objetivo: a loja da Cruz Vermelha na Istedgade. Dobrou à esquerda, correu
em direção à Istedgade, quase trombou com um sujeito que disse alguma coisa
sobre o traseiro de Eva; ela não se voltou. Para a esquerda de novo – onde ficava
exatamente a loja? Ali, um pouco mais adiante. Do outro lado da rua. Chegou,
enfim. E havia mesmo umas sacolas plásticas na porta. Ouvia-se o tamborilar da
chuva neles, um som agradável, como quando ela cai nas barracas de acampamento.
Eva arrastou as sacolas para debaixo de uma marquise e virou o conteúdo de uma
delas no chão. A grande maioria eram roupas de criança, mas havia um jeans que
talvez servisse. Eva o vestiu. Ficou meio apertado, mas dava para o gasto. Também
colocou um suéter vermelho-arroxeado esquisito que ela nunca teria escolhido
numa loja e um casaco que, embora grosso demais para aquela época do ano, era
perfeito porque Eva estava tiritando de frio; não conseguia que suas mãos parassem
de tremer; pareciam quase se desfazendo, como se tivessem ficado tempo demais
debaixo da água. Procurou sapatos, mas não havia nenhum. Talvez na outra sacola?
É, um par de tênis Nike, caro. Incrível o que as pessoas jogam fora, ou doam, hoje
em dia. Os tênis serviram mais ou menos, sendo talvez meio número maiores. Eva
ainda tremia. Era uma pessoinha menor até que os pequenos da creche, mais
desamparada que o menininho largado na floresta – mas seu inimigo tinha... O
quê? Morrido? Talvez. Havia mais de um, porém. Tinham ido dois à sua casa.
Provavelmente eram mais numerosos que isso. Aquilo não tinha acabado. Não
acabaria nunca.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1