Floresta de Hareskoven, Grande Copenhague – 18h30
Eva acabava de sair da estação de trem, e seguia para casa, quando o celular tocou.
Era Pernille, a nova mulher do pai. Bem, não tão nova: o pai tinha casado com ela
cinco anos depois que o câncer tirou a vida da mãe de Eva. Não atendeu. Sabia o
que Pernille queria: ter notícias do primeiro dia de trabalho, o primeiro dia do resto
da vida de Eva. Aquela noite seria a primeira em que Eva dormiria sozinha em casa.
Vinha dormindo na casa de Pernille e do pai desde que tinha ficado só. Não gostava
de ficar sozinha, e agora queriam ter certeza de que ela estava bem. E, de alguma
maneira, sempre conseguiam recordá-la do passado, de tudo aquilo com que Eva
não devia mais gastar tempo. Ela sabia perfeitamente que estava sendo injusta ao
pensar desse modo. Pernille e o pai sempre tinham sido solidários, sempre tinham
se disposto a dar uma mão. Só que também eram parte do passado que ela devia
evitar. Eva tinha chegado a pensar que talvez conviesse ir para longe, fixar-se em
Marrakech ou em algum vilarejo da América do Sul, para poder ser a dama
misteriosa, aquela que não fala do passado. Poderia arranjar um amante jovem. Mas
a que dedicaria o tempo na Argentina ou no Uruguai? A única coisa que sabia fazer
era escrever, e, assim que sentasse diante do teclado, o passado começaria a pairar
em sua cabeça. Afinal, era justamente essa a essência do ofício de escrever – os fatos
passados.
Tinha escurecido, mas ainda deveria ser dia claro; para abril na Dinamarca, seis e
meia da tarde era cedo. Eva ergueu os olhos à procura de algo que explicasse por que