A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

a primavera tinha se interrompido. Em resposta, foi atingida por uma solitária gota
de chuva, pesada e lenta. Seguiram-se outras; agora, era só questão de tempo.
Melhor apertar o passo. Por outro lado, não devia apressar-se demais em voltar para
casa. Tinha dedicado parte da tarde a ir às compras no centro de Copenhague, mais
para matar o tempo. Tinha experimentado roupas que não podia pagar, tinha
tomado café sozinha na biblioteca. As noites eram o mais difícil de superar. Havia
tentado os soníferos do pai, mas sabia muito bem que esse não era o caminho
adequado; então, melhor vinho. Wein macht müde, não era o que diziam os
alemães? O vinho dá sono. Tinha comprado uma garrafa num supermercado Netto
e quando a colocou na esteira do caixa, junto com o müsli, o leite e as frutas, torceu
para que a operadora não a olhasse com maus olhos. Como se a funcionária
soubesse o que a gente sente estando sozinha! Era a primeira noite.
A chuva ficou mais forte, e Eva se apressou. Completou os últimos cem metros
em plena corrida. As gotas de chuva lhe golpeavam o rosto. Abriu a porta e deixou a
bolsa na entrada. O celular tocou. Tirou-o do bolso. Pernille, de novo.



  • Oi, Pernille – disse Eva, tentando não parecer enfastiada demais.

  • Como foi tudo? – perguntou Pernille, sem ter dito um oi, sem ter feito
    nenhum preâmbulo.

  • Bem. Ainda que eu ache que vou precisar tomar uma tacinha de vinho para me
    recuperar. Você pode esperar um segundo?

  • Mas claro. Estamos muito ansiosos para saber como foram as coisas.

  • Estou colocando no viva-voz. – Deixou o telefone na mesa e a bolsa na bancada
    da cozinha. – Você consegue me ouvir?

  • Conseguimos, sim, querida – disse Pernille.

  • Só mais um segundo.
    Tirou a garrafa. No fundo da bolsa, havia uma folha de papel. Tirou-a com
    cuidado. Era o desenho do menino. Como se chamava? Malte. O desenho de um
    homem que feria outro, que empurrava ou espetava com alguma coisa as costas de

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