A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

Abriu os olhos e olhou a chuva. “Chuva tropical”, pensou. No jardim, debaixo do
alpendre, estavam umas placas que o pai tinha comprado. Eva não se lembrava
muito bem, mas parecia que era preciso isolar a casa por fora. Ela e o pai
costumavam ir trabalhar na obra todo sábado que ele tinha livre. Depois Eva ia com
o pai para a casa dele (onde Pernille já estava com o jantar pronto) e ficava para
dormir. No domingo, voltavam para trabalhar o dia todo. “Logo acabaremos”,
costumava dizer o pai, para animá-la; mas Eva percebia que ele estava cansado. Eva
vivia dizendo a ele e a Pernille que mais fácil seria deixar leiloarem a casa. Assim, ela
poderia declarar-se insolvente, morar de aluguel e seguir adiante com o mínimo
imprescindível. No entanto, toda vez que mencionava isso, o pai balançava
negativamente a cabeça. Não queria nem ouvir falar daquilo. “Vamos acabar antes
do Natal”, ele dizia; mas fazia tudo sozinho, com ajuda apenas de Eva, e ia
tremendamente devagar. Sempre faltava algo que Eva precisava ir buscar na loja de
material de construção: brocas, isolamento térmico de lã de pedra, ferramentas cujo
nome nunca conseguia guardar. Em dado momento, tinha se posto a calcular o
tempo que realmente levariam naquele ritmo, um fim de semana depois do outro,
só ela e o pai com martelo e pregos. Eva contou todas as placas e parafusos que
compraram e dividiu pela quantidade que o pai chegava a utilizar num sábado e
domingo. O resultado foi cento e cinquenta e quatro. Cento e cinquenta e quatro
fins de semana equivaliam a três anos. O pai seria então velhinho. Não comentou
nada com ele sobre essas contas, mas chegou a dizer a Pernille que a situação era
insustentável, que a maldita casa estava a ponto de estragar a vida deles.
Preferiu olhar o desenho a ver a planta da construção inacabada. Eram dois
homens, não havia dúvida. Um assassinava o outro. Não era fácil adivinhar como.
Com um empurrão? Uma faca? O que Kasper tinha dito mesmo sobre as crianças?
“Contam tudo – e perguntam tudo.” Na parte inferior do desenho, havia uma poça

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