A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

lava-mãos? Sim, uma pia de época, que tinha a forma de uma enorme concha. De
pedra. Talvez de mármore. De todo modo, dura o bastante para deixar marcas
profundas no crânio de alguém que caísse ou fosse empurrado contra ela. Aquele
adorno que subia pela concha era o quê? Uma enredadeira? Alguma espécie de
trepadeira aquática? Não tinha certeza, mas aquilo correspondia ao que Eva sabia
do estilo rococó. A natureza incorporando-se na arquitetura. Voltou-se e olhou
para o esconderijo atrás do quadro de vidro. Sim, o grande número de bordas
afiadas e denteadas na pia esculpida batia também. Tirou do bolso o modelo do
crânio. Ficou atenta. Vozes no cômodo contíguo. Se abrissem a porta, flagrariam
Eva. Estava com pressa. Olhou para as marcas no crânio, as três endentações.
Tentou achar na cuba de mármore propriamente dita um ponto em que as marcas
se encaixassem. Não, nada ainda. O facho da lanterna era fraco. Ah, se pudesse
acender as luzes! Ah, se conseguisse se concentrar! Mas as imagens em sua mente
não deixavam. Lampejos de luz estroboscópica lhe bombardeavam o cérebro. Via
instantâneos de um menininho no alto da Escada Escura, sentado atrás do vidro
espião, presenciando uma discussão. É Christian Brix quem está batendo boca com
alguém. Acaba de comunicar que não quer continuar, que quer divorciar-se e ir
morar com a amante italiana, o amor de sua vida, começar vida nova. Suas palavras
deixam os outros homens exasperados. Saem no braço. Beberam. Embriaguez, raiva.
O menino fica a ponto de gritar, tal o medo que sente; está chorando em silêncio.
Reprime a vontade de fugir; obriga-se a olhar para o tio, que caiu e bateu a cabeça
na concha, numa das bordas afiadas, com o outro homem por cima. Brix está
inconsciente, talvez ferido; está sangrando, e é possível que tenha hemorragia
cerebral. Pânico geral. É o caos. Temos um moribundo no Taffelsalen. O que
fazemos agora? Eva imagina os homens, com suas roupas caras, correndo de um
lado para o outro, sussurrando, discutindo, apavorados. O que é que vão fazer?
Quem é que devem contatar? Quem é que precisam chamar? Ambulância? Polícia?
Mas o que é que a imprensa vai dizer? Os jornalistas vão meter o bedelho, ficar

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