A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

entranhas reviradas. A perfuração no estômago. A dor. E a perspectiva de uma
morte lenta e dolorosa. Onde estaria a trincheira dele, Marcus?
Ele já tinha chegado à rua, longe da multidão. Um banco? Virou a esquina.
Decresceram os gritos do campo de batalha. Extinguiu-se lentamente o fogo dos
canhões, a lamentação dos feridos. E voltou o silêncio. Marcus absorveu todos os
sons. Entrou num prédio. Não sabia por quê, mas a porta do saguão estava aberta.
Ele precisava sentar por um momento. Como os soldados moribundos nas
trincheiras. Sentar e pensar. Nela. Eva sobreviveria. Ele a tinha salvado. Tinha
cumprido a missão. Só precisava de um superior a quem informar. Alguém com
quem compartilhar. Mas teria de se contentar consigo mesmo. Agora a dor vinha
em pontadas. Como as contrações de um parto, imaginou. Nascimento e morte,
estava tudo relacionado. Quis gritar. Talvez tivesse mesmo gritado; não sabia. Mas a
tinha salvado. Ao menos por um tempo. Eles a deixariam escapar por um tempo,
talvez para sempre. Porque eram espertos. Porque sabiam que agora ela estaria na
mira da polícia, do público em geral. Eva tinha chamado a atenção. Seria vista. E, se
havia uma coisa de que fugiam como o diabo da cruz, era justamente da atenção do
público. Marcus sabia disso. Sabia só disso. Havia mais alguma coisa que valia a
pena saber? Lágrimas nos olhos. Era uma maneira de morrer dolorosa para
caramba, errada para caramba e, ao mesmo tempo, certa para caramba. Ficar
sentado ali, esperando a morte, fazia sentido para Marcus. Conferia sentido à vida
dele, à luta dele por aquilo em que acreditava, à luta dele para salvar Eva. No
entanto, conseguiu levantar-se. Por culpa da dor. Esta não queria deixá-lo em paz;
queria impeli-lo a continuar em frente, obrigá-lo a procurar um lugar ainda mais
afastado, como se Marcus fosse um elefante moribundo. Tinha que achar uma cova
de elefante, uma cratera. Ou um cemitério. O lugar certo, adequado. O cemitério
dele. E sabia exatamente onde era; precisava aplicar as últimas forças para chegar
àquele destino. A imagem do elefante voltou. Deu-lhe forças. O soldado
moribundo no campo de batalha já estava longe. Agora pensava em si mesmo como

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