A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

túmulo, afirmava que Eva era tanto uma gostosa sem talento quanto a esperança
que ele vinha aguardando fazia tanto tempo. De todo modo, Eva rejeitou
educadamente a proposta. Pareceu-lhe que Lagerkvist teria aprovado essa decisão,
por mais que Eva não tivesse tido tempo de falar com ele outra vez. O jornalista
morreu no dia seguinte ao incêndio no abrigo. Ele, porém, tinha estado junto de
Eva desde então, ao menos naquela decisão que tomou e em cada frase que ela havia
escrito. Existe gente tão cabeça-dura que mesmo morta contamina os vivos. Exige
que deem continuidade à luta. Lagerkvist era assim. Por isso, Eva tinha resolvido
morar em outro abrigo de mulheres, onde a prefeitura lhe ofereceu vaga. Depois do
ataque daquela noite, não tinha tido dificuldade para insistir na versão de que um
homem a perseguia. O novo abrigo, cuja localização só os funcionários conheciam,
era de segurança máxima, um lugar onde havia principalmente muçulmanas que
tinham fugido de casamentos horríveis e que morreriam se os maridos as achassem.
Eva tinha aproveitado o tempo para ouvir as histórias delas, colocá-las por escrito,
escrever sobre crimes de honra, famílias e amor. Sobre mulheres em fuga. Os jornais
compraram essas matérias. A primeira que Eva vendeu, por duas mil míseras coroas,
deu-lhe tanta alegria e tanta fé na vida que, por um breve instante, esteve disposta a
proclamar que o capitalismo era o único deus.
Parou em frente à casa onde deveria ter morado. A visão a surpreendeu. Na hora,
não soube se ria ou se chorava. Acabou decidindo cair na gargalhada. Tinha
esperado deparar com uma coisa muito diferente. Tinha esperado achar grama com
um metro de altura. Tinha esperado vidraças tão sujas que seria impossível olhar
através delas. Tinha esperado, enfim, um lugar caindo aos pedaços. No entanto,
estava diante de uma casa bonita, com vidraças limpas e jardim elegante, num
bairro residencial maravilhoso. O espaço até a cerca que antes dava para a rua tinha
sido recém-plantado com pequenos... arbustos? Eva não sabia sequer como se
chamava aquilo. Não havia nem sinal de erva daninha.



  • É fantástico! – murmurou.

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